Os ataques ao Fundo Amazônia: um crime de lesa-pátria, por João Paulo Capobianco

26/08/2019

Este artigo foi originalmente publicado no jornal Correio Braziliense de 22 de agosto de 2019

A criação do Fundo Amazônia foi o resultado de uma longa e bem sucedida negociação conduzida pelo governo brasileiro. Demandou três anos de planejamento e intensas discussões internas, até que seu modelo fosse considerado apto à apresentação internacional. Primeiro em um seminário científico sobre redução de emissões decorrentes de desmatamento, promovido pela FAO em Roma, em agosto de 2006, seguida de uma exposição preliminar na Conferência das Partes (COP) da Convenção sobre Mudanças Climáticas em Noirobi, no final do mesmo ano. Duas etapas necessárias ao seu aperfeiçoamento para, finalmente, chegar à COP de Bali em 2007, quando, com o título “Incentivos positivos para a redução de emissões de desmatamento em países em desenvolvimento”, foi apresentado e recebido de forma extremamante positiva pela comunidade mundial.

A viabilidade de uma proposta absolutamente inovadora, como se verá em seguida, só foi possível com a comprovação do sucesso obtido pelo Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia (PPCDAM). Uma iniciativa planejada e implementada de forma autônoma pelo governo brasileiro que levou, para surpresa dos líderes mundiais, à redução de 58% na derrubada da floresta entre 2004 e 2007. Um sucesso incontestável que se transformou na maior contribuição individual até então registrada por um país na mitigação das mudanças climáticas. Foram 16.121 km2 de florestas poupados, correspondendo a centenas de milhões de toneladas de gases de efeito estufa que deixaram de ser emitidos.

A comprovação desses resultados, graças à divulgação dos dados de uma das maiores autoridades em monitoramento de florestas do mundo, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e a clara demonstração do compromisso do Brasil em seguir com o PPCDAM, fizeram do Fundo um sucesso imediato. No mesmo ano de sua criação, em 2008, a Noruega fez o aporte inicial de US$ 20 milhões e se comprometeu em aumentar em até US$ 1 bilhão nos anos seguintes. A maior doação a fundo perdido já conquistada pelo Brasil em seu longo relacionamento com a cooperação internacional.

Chegar a esse momento, no entanto, não foi um caminho fácil. Havia forte resistência de vários setores do governo brasileiro à inclusão do tema da conservação das florestas naturais na Convenção do Clima. Para eles, esta vinculação poderia levar à aprovação de medidas restritivas e com caráter vinculante ao desmatamento, colocando o Brasil sob o risco de sansões internacionais e da perda de soberania sobre o destino de parte de seu território.

Para evitar esses riscos, o mecanismo proposto se baseou em uma alternativa que há anos circulava entre organizações científicas e da sociedade civil, que defendiam uma recompensa financeira pelo desmatamento evitado. Ou seja, as doações ao Fundo seriam definidas pelo montante de floresta não desmatada, calculado com base em uma média de derrubadas registrada em anos anteriores.

Desta forma, a contribuição internacional seria proporcional a um resultado já concretizado, por decisão e iniciativa autônoma do Brasil, sem gerar qualquer vinculação ou obrigação futura. E mais, nenhum centavo transferido ao Fundo poderia ser utililizado como compensação pelas emissões dos países doadores, pondo por terra outro argumento contrário, o de que essas doações serviriam apenas para diminuir as obrigações dos países ricos em reduzir suas próprias emissões.

A desvinculação com qualquer possibilidade de interferência internacional seguiu com a implantação de um inédito mecanismo de internalização e gestão dos recursos doados.  A operação do Fundo Amazônia ficou a cargo de um banco público nacional, o BNDES, sob a coordenação de um conselho constituído por brasileiros.

Estabelecia-se naquele momento um modelo de relacionamento com a comunidade internacional, que subordinava a cooperação à auto determinação do Brasil em construir as melhores soluções para desenvolver a maior floresta tropical do planeta, de forma socioambientalmente justa e sustentável.

Em seus dez anos de atividades, com dezenas de projetos implantados, a maior dúvida em relação ao Fundo era sobre até quando as doações voluntárias continuariam a fluir ao longo do tempo. O que ninguém em sã consciência poderia imaginar é que partiria do próprio governo brasileiro a tentativa de inviabilizá-lo em pleno funcionamento, com dinheiro em caixa e mais recursos aguadando para serem aportados.

Enquanto lutamos para impedir esse atentado contra o país, resta o consolo da certeza de que os que constroem, passam para a história. Os que só destroem, passam.

João Paulo R. Capobianco, biólogo, doutor em Ciência Ambiental, vice-presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade.

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