Juventudes e Política

05/11/2021

A atmosfera de intolerância e polarização é apontada como a principal causa do afastamento dos jovens da política

Falta de sintonia da classe política com a realidade do país e com os anseios sociais causa desinteresse entre os jovens

Por Aline Souza – Jornalista e Comunicadora do IDS

Uma pesquisa inédita no Brasil, encomendada pela Fundação Tide Setúbal em parceria com a Avaaz, entrevistou mais de mil jovens brasileiros de 16 a 34 anos para entender melhor suas percepções sobre questões políticas e sociais do país. A pesquisa, que foi realizada pelo IPEC – Inteligência em Pesquisa e Consultoria, apontou que existe entre eles uma percepção generalizada que os afasta de qualquer interesse na política: a intolerância. Para 58% dos entrevistados não faz muito sentido a existência de direita ou esquerda no campo de atuação política e 59% dos jovens não discute política nas redes sociais por medo de serem cancelados. Além disso, 42% deles se autodeclaram de centro, 18% de esquerda, 22% mais à direita e 18% não sabem ou não responderam.

Segundo dados da pesquisa Democracia e Eleições, os jovens percebem alguns valores centrais para a atuação política: 62% deles acreditam que o combate à fome e à pobreza deveriam ser prioridades. A preservação da Amazônia e do Meio Ambiente aparece em 27% das respostas e o combate às mudanças climáticas em 6%, ficando em 13° lugar na lista de prioridades e valores sociais. Em primeiro lugar está o combate à corrupção (35%), seguido por uma economia forte que gere empregos (33%) e combate ao preconceito (29%).

É bastante preocupante que as pautas socioambientais no Brasil não tenham uma aderência relevante entre a população mais jovem, pois estamos falando da construção de futuro e de todas as possibilidades que implicam a continuidade da vida no planeta. Aliás, a pesquisa é lançada no exato momento em que acontece a COP 26 na Escócia, a Conferência Global que deve traçar os próximos rumos que todos os países deverão tomar para cessar as emissões de gases de efeito estufa e o aquecimento global, que já se encontra em níveis acelerados.

Mídia e Informação

A maioria dos entrevistados pela pesquisa se localiza na região Sudeste (42%) e se informa via televisão (56%) e sites de notícia da grande imprensa (40%). As mídias sociais estão em quarto lugar entre os meios mais confiáveis para se informar sobre política entre os jovens (27%). O whatsapp e grupos de família surgem em oitavo lugar (11%).

Os chamados “Influenciadores” ou “Criadores de Conteúdo”, pelo visto, influenciam bem pouco, pois são citados apenas em 3% das respostas. Já as reuniões de associações de moradores de bairros/comunidades e as reuniões de sindicatos, locais onde tradicionalmente havia uma maior formação política juvenil em outros tempos, aparecem com 10% e 8% das respostas respectivamente. Ou seja, ainda podemos investir na educação popular para a formação de jovens com espírito crítico dentro de suas comunidades, bem mais que apostar em celebridades ou famosos ocupando este papel. Há esperanças!

Democracia depende de educação

A pobreza do debate público e o baixo nível de preparo dos ocupantes dos cargos representativos também é um fator que colabora para o afastamento dos jovens da política. Em uma entrevista para o Fantástico no dia 31 de outubro, Nana Queiroz, coordenadora da pesquisa / Avaaz afirmou que “temos uma juventude com fome de participar da vida política. Mas o que estamos dando a eles? Um prato de debate podre e polarização agressiva”.

Um em cada cinco brasileiros de 16 a 34 anos não sabem exatamente o que é democracia. Entre a faixa etária dos mais jovens (16 e 17 anos) é comum não saberem também o que é ou para que serve o Congresso Nacional. Além disso, os jovens no geral confiam mais nas Forças Armadas (46%) que na imprensa (14%), TSE (21%), ou no STJ (19%). Nenhuma das Instituições oficiais ultrapassam 50% de confiança entre os entrevistados.  A confiança nas Forças Amadas e na PM (Polícia Militar) recua conforme aumenta a idade do entrevistado. Mais da metade dos jovens dizem não confiar nos partidos políticos.

Dois a cada 5 jovens acreditam que a democracia precisa ser preservada, porém ¼ acha que a democracia pode ser sacrificada por outras prioridades como garantir a estabilidade da economia por exemplo. Ou seja, para 26% do público entrevistado é ok abrir mão do regime democrático em prol de uma estabilidade. Mas a que preço?

E de mais educação

A pesquisa realizada mostrou que para 52% dos jovens a família atua como o principal agente influenciador na opinião política. Professores aparecem em quarto lugar após amigos e jornalistas. Em seguida aparecem os políticos e lideranças religiosas. Entre os mais jovens os professores ainda têm uma influencia maior.

Os entrevistados pela pesquisa apontaram ainda três temas que mais despertam neles a aversão para debater em uma conversa sobre política: machismo (26%), Bolsominion (24%) e racismo reverso (23%). Esses dados apontam para a total ausência de conexão intrínseca existente entre um tema e outro, principalmente a relação entre o machismo e o racismo, ainda que não exista o tal “racismo reverso”. Infelizmente, por mais “preguiça” que esses temas possam despertar nos jovens de modo geral, eles fazem parte de um debate maior que queiramos ou não precisamos fazer.

Eleições

Maioria relativa não se sentiu representada por nenhum dos candidatos em 2018 e, por isso, votou em branco ou anulou seu voto; cerca de dois em cada dez acham todos os políticos corruptos. Entre os que votaram no atual presidente nas últimas eleições, 70% não se arrepende. Os motivos de arrependimento para os demais 28% são: incompetência na pandemia e a alta da inflação.

Se considerarmos o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/1990, é recente o reconhecimento dos jovens como atores políticos, e existe um trabalho de conscientização a ser feito. A pesquisa apontou que 9% dos jovens brasileiros não possui título de eleitor, mas 29% deles pretendem tirar o documento porque alegam entender o momento atual como preocupante e 28% querem exercer o direito de votar.

Democracia e Sustentabilidade

Em outubro o IDS iniciou a realização de uma série de debates entre o público jovem e as lideranças do campo socioambiental do Brasil que são atuantes há algumas décadas em favor da preservação ambiental e da sustentabilidade. A iniciativa Espaços de Ativismo, que já teve como parceiro o Politize!, pretende trabalhar dentro de uma perspectiva de formação e diálogo. O primeiro desses eventos já ocorreu e outros encontros estão previstos para acontecer em breve, sempre debatendo a pauta climática/ ambiental e as perspectivas de futuro comum por meio das vias democráticas e da participação social. O próximo evento terá como tema “Emergência climática: como é possível construir um futuro sustentável?” e terá inscrições abertas em breve.

Outros indicadores da pesquisa Democracia e Eleições:

  • Escolaridade: A escolaridade do recorte entrevistado era de 23% com ensino superior, 24% com ensino fundamental e 53% com ensino médio, sendo que 51% eram do sexo feminino e 49% masculino;
  • Renda: A maioria dos jovens entrevistados (37%) tinham a renda familiar de até dois salários mínimos;
  • Classe Social: 24% deles pertencem à classe social A/B, 56% Classe C e 25% D/E;
  • Ocupação: 60% desses jovens estão ocupados com alguma atividade com renda;
  • Raça: 68% são pretos ou pardos;
  • Religião: 44% Católica e 30% Evangélica.

É preciso reciclar a política por meio do entendimento de que tudo é política, nosso cotidiano e nossas práticas são escolhas políticas.

Para conhecer essa iniciativa do IDS acesse: Democracia e Sustentabilidade: desafios e diferenças do ativismo nos séculos XX e XXI

Assista a matéria exibida no Fantástico

A pesquisa foi compartilhada com exclusividade com o IDS para realização dessa matéria, mas segue embargada em sigilo por parte dos realizadores.

Parceiros