04/10/2022
Os desafios de reconstrução de políticas públicas no Brasil vão além de pautas sociais ou ambientais, é preciso criar coesão social e foco na inclusão dos diversos povos ancestrais que ainda aguardam por respeito.
A história política de Márcio Santilli se confunde com a história da redemocratização do Brasil. Eleito deputado federal em 1983, permaneceu no Congresso até 1987, um ano antes da promulgação da Constituição do Brasil de 1988. Mesmo sem mandato, foi um dos principais articuladores de importantes artigos em defesa de Direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais da nova Constituição. Em 22 de abril de 1994 torna-se um dos fundadores do Instituto Socioambiental, o ISA, junto com outros expoentes da luta socioambiental no Brasil. De setembro de 1995 a março de 96 foi presidente da Funai – Fundação Nacional do Índio e a causa indígena tornou-se o eixo de sua vida.
Em conversa com o IDS Opina, Márcio Santilli nos oferece sua perspectiva em relação ao atual momento histórico e político e sua visão para o futuro próximo. Apesar de não mais ocupar cargos executivos no ISA, ainda atua como consultor e mantém uma coluna de opinião no site de jornalismo independente Mídia Ninja. Ao olhar para o momento presente sua percepção é de que o país deverá se entregar a um forte trabalho de reconstrução de institucionalidades, o que considera um cenário inédito. “mesmo no período militar nosso trabalho sempre foi de avançar sobre o que já existia, é a primeira vez que precisamos voltar atrás e reconstruir coisas que já considerávamos consolidadas”, explica.
Antes do governo Bolsonaro o Brasil viveu uma experiência bem sucedida de estruturação de políticas públicas voltadas para os povos indígenas, que possibilitaram uma aproximação sem precedentes históricos, entre estes povos e a sociedade nacional como um todo. Santilli salienta o absurdo de o próprio Presidente da República promover a invasão das terras indígenas e apropriação dos recursos naturais existentes nessas terras. “O Movimento Indígena está assumindo um papel de resistência muito importante”, explica. No último acampamento Terra Livre, promovido por entidades indígenas de todo o Brasil, cerca de 6 mil indígenas ficaram acampados uma semana em Brasília. E chama a atenção de que essa resistência deve ser mais abrangente, uma vez que a desconstrução atinge mais setores socioambientais.
Santilli chama a atenção para a importância das terras indígenas na preservação de áreas florestais, especialmente na Amazônia, que tem um papel fundamental na regulação do clima e do sistema de chuvas no Brasil. E lança o alerta de que o ponto de ruptura onde a Amazônia não mais vai conseguir manter os serviços ambientais que presta ao Brasil e ao mundo está muito próximo.
Apesar do distanciamento que os não índios mantêm em relação às comunidades originárias, ao longo de séculos vários costumes e nomes indígenas foram absorvidos pelos moradores das cidades. “Esse hábito de tomar banho todos os dias certamente vêm dos índios, os europeus não faziam isso quando chegaram ao Brasil, e muitos ainda não fazem na Europa”, diz Santilli.
O Brasil tem interesse estratégico na preservação da floresta e dos territórios indígenas porque estão entre as áreas mais preservadas do bioma. Há muito o que se desenvolver em termos de economia da floresta. Mas, para isso, é preciso parar com a degradação sem sentido e investir em pesquisa, ciência, no fortalecimento dos sistemas agroflorestais e nos conhecimentos dos povos, que estão há séculos vivendo de frutos da floresta e de uma medicina de ervas.
Para Santilli, é necessário pensar o Brasil além dos projetos econômicos tradicionais, que ainda mantêm um viés meio colonial, tanto no fomento à produção econômica, quanto na implantação de infraestrutura e tecnologias. “Nós temos uma tecnologia da floresta a ser fomentada, que não é conhecida e nem contabilizada no PIB”, explica o ambientalista.
Na campanha eleitoral de 2022 há um número inédito de candidaturas em um monte de estados e com um papel de muito destaque para as mulheres, em especial para pessoas como Sônia Guajajara e Joenia Wapichana.
Para ele, a sociedade vem se interessando, participando do debate e das campanhas do movimento indígena. Os novos representantes indígenas vão se relacionar com esses segmentos da sociedade que estão mais abertos em entender e participar da luta pelos direitos indígenas.
Um dado importante é que 40% da população indígena vive fora da Amazônia, explica Santilli. No entanto, 98% da extensão de terras indígenas demarcadas está nos limites da Amazônia Legal. Essa é uma situação que leva a conflitos que são reportados diariamente na mídia. Outro tema importante e que fica fora do foco das grandes decisões sobre políticas indigenistas é a existência de um número muito grande de indígenas que vivem em áreas urbanas, muitos em cidades da Amazônia, mas não só. Mesmo em São Paulo, a maior cidade do Brasil, existem comunidades indígenas e indivíduos que não vivem em comunidades étnicas.
Esse cenário de grande diversidade étnica e cultural fortalece o Brasil. No entanto, segundo Márcio Santilli, lança para o futuro o desafio de políticas indigenistas capazes de enriquecer e multiplicar as relações com esses povos, essas culturas e a cidadania nacional como um todo.
O Brasil é rico porque é diverso.
Leia também o Ids Opina com Jorge Abrahão: a democracia brota onde vivem os cidadãos.
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