Democracia e Sustentabilidade: ativismo digital e mobilização nas redes

20/04/2022

IDS em parceria com o Instituto Update realizou o quinto encontro da série de debates “Espaços de Ativismo”

Por Aline Souza – Jornalista e Comunicadora do IDS

A quinta Roda de Conversa da série Espaços de Ativismo aconteceu no dia 19 de abril em parceria com Instituto Update com o objetivo de levantar as possibilidades e desafios de mobilização e engajamento, sobretudo das juventudes, na internet e nas redes sociais, para os temas de democracia e sustentabilidade. A proposta foi promover um diálogo intergeracional para compreender as diferentes abordagens de mobilização nos meios de comunicação e promover agendas mais democráticas e sustentáveis no debate público.

No contexto de polarização política e de fortes discussões sobre o funcionamento das redes sociais e da atuação da juventude nesse cenário, é importante compreender as perspectivas do ativismo digital no Brasil. Ainda mais no debate que envolve o PL 2630 – o chamado PL das Fakenews, que ao invés de aprofundar o Marco Civil da Internet e promover uma regulação de plataformas que garanta direitos, está tornando mais confusa e fraca a nossa legislação para facilitar a imunidade parlamentar nas redes sociais, reconhecendo essas como “contas de interesse público” acima das fiscalizações realizadas nesses perfis e facilitando a vida daqueles que se valem da rede para espalhar desinformação. Um ponto de alerta!

Para além dos desafios atuais que estão postos neste tempo histórico, embora a juventude seja a grande parcela de usuários hoje, o espaço virtual vem sendo desenvolvido nas últimas três décadas e muita experiência existe nesse campo para favorecer as pautas socioambientais, desde ações coletivas de informação e mobilizações civis a exemplos da Eco 92 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, passando pela realização dos Fóruns Social Mundial (FSM), que teve sua primeira edição em 2001 e adentrou por anos defendendo a certeza de que “um outro mundo é possível”, o que representa a crença na reversibilidade do processo de Globalização. O primeiro FSM se organizou na cidade de Porto Alegre nos primórdios da internet como conhecemos hoje e reuniu mais de 20 mil pessoas de 117 países diferentes. Já a Eco 92 reuniu mais de 100 chefes de Estado para debater formas de desenvolvimento sustentável, um conceito relativamente novo naquele período.

Hoje eleições ao redor do mundo são influenciadas pelas redes sociais e manifestações de rua disputam espaço com as hashtags. O crescimento do número de pessoas que acessaram a internet no Brasil foi exponencial nos últimos anos: de 115 milhões em 2015 para 144 milhões em 2019, representando cerca de 80% da população; as redes sociais, por sua vez, têm 141 milhões de usuários brasileiros, colocando o país como o 5º maior nesse quesito em 2020.

Mas esse mundo ainda não é para todos: 36 milhões de brasileiros não acessaram a internet em 2020. Destes, apenas 2% vêm da classe econômica A, enquanto 28% são das classes D e E; assim como 72% dos analfabetos e 21% daqueles que completaram apenas o ensino médio não têm o acesso à internet garantido.

Pensando nisso, algumas questões relevantes estarão presentes nesse debate:

– Quais são as consequências do ambiente virtual para as discussões em torno da democracia e da sustentabilidade?

– Quais são as possibilidades de fortalecer discussões bem orientadas sobre esses temas?

– Quais são as barreiras e desafios e qual é o espaço e os meios pelos quais o ativismo digital pode influenciar a tomada de decisões?

– Por fim, como as novas gerações enxergam e têm usado o ambiente digital enquanto espaço político?

É inegável, portanto, a centralidade do mundo virtual, que ficou ainda mais evidente e profunda com os efeitos da pandemia, principalmente por conta do distanciamento social.  

De acordo com dados da pesquisa AppAnnie os brasileiros gastaram em média 5,4 horas diárias na internet em 2021 considerando apenas o uso do celular, liderando o mundo nesse quesito.

Para debater esses temas, com mediação de Larissa Dionísio (Instituto Update), convidamos Sergio Amadeu, professor da UFABC e criador do podcast Tecnopolítica; Bia Caminha, vereadora mais jovem da história de Belém/PA); Rodrigo Savazoni, diretor executivo no Instituto Procomum e Helena Branco, supervisora de programas na Girl Up Brasil.

Para dar início à conversa, Larissa chamou atenção para o fato de que em ano eleitoral as palavras “democracia” e “participação” precisam ser aprofundadas e debatidas. Ou seja, precisamos hackear a própria tecnologia e os sistemas para fazer valer direitos sociais.

Sergio Amadeu
Estamos enfrentando o fascismo e sua face digital

“A internet quando surgiu trazia a ideia de ser algo positivo. Nós, os ativistas e pesquisadores, acreditávamos que por ela ser uma rede distribuída, seria inevitavelmente democrática”, assim iniciou sua participação o professor Sérgio Amadeu, da UFABC e criado do podcast Tecnopolítica. E ele continua: “Percebemos que isso não era verdade. Algo que seja distribuído não significa que seja democrático. A internet pode também distribuir a vigilância e o novo fascismo que tem sua cara digital hoje no mundo inteiro. Uma realidade posta também no Brasil. A internet viabilizou a possibilidade de a gente falar, mas o difícil na internet não é falar, mas sim ser ouvido. Economia da atenção acontece nesse meio. O diálogo e a tolerância foram sendo esquecidos na internet, onde se dissemina bastante o discurso de ódio”, afirmou.

Sérgio lembrou que veio de uma trajetória do software livre, do código aberto para construção das tecnologias, do compartilhar conhecimento, da construção colaborativa de informação. “A indústria e o mercado da web foi sendo modificado com o passar do tempo”, disse.

Com isso, os construtores da internet entraram em disputa com os grupos de mídia livre, explicou o professor. “A internet virou então uma arena de disputa entre o grande capital e os grupos marginalizados da cultura hacker e do campo ativista. Hoje o modelo de negócio de entregar uma interface de plataformas sociais e em troca capturar seus dados pessoais (e sua alma) é o modelo que vigora na inteligência de big data, que prevê a existência de grandes DataCenters”, disse Sérgio.

Para ele, atualmente, o modelo de negócios do digital é um elemento de degradação ambiental tão grande a ponto de comprometer grandes áreas de espaços físicos na cidade de Amsterdã, na Holanda, por exemplo, gerando um impacto ambiental igual ao da frota de automóveis, levando em 2019 a proibição de construção de novos DataCenters na área urbana da cidade. “Toda “nuvem” precisa de grandes servidores, milhares deles, e cada servidor precisa de energia elétrica e refrigeração e muita água para se manter operante. A ideia de ‘nuvem’ é uma enorme falácia que tem um grande impacto ambiental. Isso tudo motivado pelo modelo de negócios baseado na extração de dados pessoais permanente de tudo e de todos”, afirmou o professor.

Para Sérgio, estamos enfrentando a face digital do fascismo na web hoje. “Existem os novos reacionários que não querem diálogo. A liberdade de expressão está sendo confundida com liberdade de agressão. Enquanto isso os ativistas querem que as plataformas sejam fiscalizadas. Precisamos ter uma abordagem crítica sobre a tecnologia e a política que é feita a partir dela. Uma das principais lutas do ativismo democrático hoje é pelo controle e supervisão dessas plataformas, nem tudo que vem do Vale do Silício é legal e correto”, explicou Amadeu.

Bia Caminha
A necessidade de se organizar politicamente

Nascida em 1999, ela foi eleita aos 21 anos a vereadora mais jovem em Belém do Pará. Bia Caminha é estudante de Arquitetura e Urbanismo que já nasceu em um mundo transformado pela Internet. “Aprendi a usar o computador com 4 anos de idade, vivi o processo de ruptura democrática em 2016 com o golpe contra a Dilma. Meu processo de transformação ativista se dá dentro do campo da esquerda. Estudei sobre a história de nossa democracia e que sempre foi permeada pela ruptur”, disse.

De acordo com Bia, para a nossa juventude, as redes sociais, ao mesmo tempo em que têm um papel fundamental na atuação política com as jornadas de 2013 e com o impeachment da Dilma, elas também não são capazes de promover sentido ao que estava acontecendo naquele momento. Nem todos os jovens tiveram clareza do que estava acontecendo, mesmo estando totalmente conectados. “Não temos uma juventude organizada politicamente o suficiente para resistir, por exemplo, ao surgimento de Bolsonaro e sua posterior eleição. Faço parte de uma geração apática e calma demais, que nunca tinha vivenciado a necessidade de estar organizada politicamente enquanto categoria como foram as gerações jovens passadas”, desabafou ela.

Outro ponto abordado por Bia em sua participação foi a questão da imprensa. “Temos consciência também de que nossa mídia nunca foi democrática, sempre serviu aos interesses da elite do país. A minha geração acreditava que a internet seria esse lugar da transparência, da informação correta e isenta, onde nossas vozes seriam ouvidas. Porém, sabemos que isso também não aconteceu. Inclusive algumas estratégias de mobilização que a gente costumava usar até bem pouco tempo atrás, hoje já não funcionam mais”, disse ela. Mas Bia também relata que há algumas vitórias. “Na pandemia acredito que nós passamos a usar muito mais a internet de uma forma construtiva do que como se usava antes, como por exemplo, a mobilização para o adiamento do ENEM por duas ocasiões e agora a campanha “Meu Primeiro Voto”, que incentiva os jovens a emitirem o título de eleitor para votar esse ano. Mesmo as plataformas comuns como FB e IG bloqueando muito os conteúdos relacionados à política, estamos avançando”, contou.

Bia lembrou que existe uma rede de ódio organizada em plataformas como o Twitter para impedir que as pessoas se manifestem, principalmente as meninas jovens. “Existe muita violência de raça e de gênero dentro da politica  e este é um assunto que devemos falar. A consequência disso é que as mulheres acabam saindo desses espaços de poder da politica institucional porque eles são hostis às mulheres. Nada é por acaso”, explicou a vereadora.

Bia Caminha

Helena Branco

Como sair do ativismo de sofá?

A Supervisora de Programa da Girl UP, Helena Branco tem 19 anos e está estudando de Relações Internacionais e Políticas Públicas UFABC. Ela contou sua experiência de mobilização de redes por meio de criatividade e bom humor, ou seja, investir no presente e no futuro da democracia.

Para ela, o digital pode tanto despontencializar o sujeito, como também promover o contrário, e potencializar, em especial, a juventude e fazer com que ela se enxergue em outros jovens mobilizados. Helena cita exemplos de campanhas das quais fez parte como a “Livre para Menstruar” – Movimento pela Justiça Menstrual – enfatizando que a Girl UP trabalha treinando e inspirando meninas e jovens em geral a serem líderes pela igualdade de gênero. “A ideia era trazer o tema deixando o tabu que se tem ao falar em menstruação de lado. Foi histórico perceber a mobilização em torno da legislação do tema, algo que até então deveria ser escondido e apagado, mas o movimento não se limitou a isso e levantou outras reflexões importantes, uma delas foi perceber a falta de mais mulheres na política institucional e essa falta de representatividade também é um impulso para que mais meninas se interessem pela política”, contou. Helena sente que para os jovens falta nem tanto a informação, mas muitas vezes apoio para se engajar. “Política não é só polêmica, é também o meio de incidência onde arregaçamos as mangas para mudar”, afirmou.

As meninas da Girl Up viram as redes sociais muito mais como possibilidade do que como barreia, afinal, organizaram-se nacionalmente por meio da web em busca de um objetivo comum e coletivo. Assim foi com o #SeuVotoImporta que surgiu em 2020 para incentivar o voto nas eleições municipais. “Era início da pandemia no Brasil, o TRE – Tribunal Regional Eleitoral fechou as portas e queríamos fazer algo descolado e divertido, pois a juventude já estava lindando com muitas dificuldades econômicas e a queda nos investimentos em educação, defasagem educacional, etc. Em seis dias, na data limite do prazo, conseguimos mobilizar para que a versão do sistema digital que foi lançado pelo TSE – Tribunal Superior Eleitoral fosse acessado”, explicou Helena. Depois disso, segundo ela, o TSE criou uma conta no TikTok porque entendeu que dialogar com a juventude em suas campanhas é o melhor caminho.

Precisamos trazer autoestima política para os jovens e fazer com que as meninas vejam na política um caminho possível” – Helene Branco, da Girl Up Brasil

Helena Branco

Rodrigo Savazoni

Especialista em bens comuns

“As formas do agir político são dispositivos disponíveis, não só a tecnologia em si”, disse Rodrigo, que desde 1999 atua no ativismo cybernético para as causas sociais. Ele explica a diferença entre a Politica das redes e Política nas redes. A primeira é sobre o hackerismo e o debate sobre a infraestrutura e o que faz essa política da cultura digital possível. Um novo espaço na web, um movimento prévio ao ambiente de plataformas e redes sociais como conhecemos hoje e que dirigem nossa atenção. A Política das Redes é sobre a Ciranda da Informação Independente e o Centro de Mídia Independente – CMI, é sobre o ativismo criativo e a herança de comunidades de software livre que tinham o desejo de construir a sua própria plataforma. Procura trazer uma análise propositiva com base no arranjo das comunidades a partir de protocolos de auto governo e de uma visão comum. Um ativismo criativo para reinventar a internet.

A segunda, a Política nas redes, é tudo que acontece no meio digital, que é propagado via redes de transmissão virtual.  No final do século XX, como lembrou Rodrigo, a grande rede social da época era a própria web, a blogosfera, com a crença de que existia um arranjo democratizante de trocas e construção comum capaz de nos trazer para uma democracia mais participativa. “Essa promessa não se realizou completamente, uma parte foi bem sucedida, mas foi capturada pelo capitalismo no final de 2010 com perseguição estruturada pelos agentes do poder imperialista drenando com o tempo o ativismo que existia e gradualmente as plataformas alternativas começaram a desaparecer”, explicou.

Segundo Savazoni, saindo da cultura digital para a democracia, o Instituto Procomum encontrou uma agenda possível para a superação do Neoliberalismo de uma forma propositiva. “Esta é a agenda do comum, uma forma de se organizar entre comunidades, uma forma de agir que é distante da aliança Estado x Mercado, que rege o Liberalismo. Estamos diante de uma necessidade voraz de combater o fascismo em nosso país, por isso, e na conexão entre ativismo e sustentabilidade, o bem comum está presente”, disse.

Rodrigo Savazoni

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Sobre o IDS Brasil: O IDS Brasil é uma organização que atua há mais de 10 anos buscando soluções para políticas públicas e iniciativas locais e nacionais de desenvolvimento socioambiental e incidência política.

Sobre o Instituto Update: Uma organização que estuda e fomenta a inovação política na América Latina. Geramos visibilidade e impulsionamos a viabilidade da inovação política na América Latina. Nossa busca é por novas estratégias e práticas que aproximam cidadãs e cidadãos do exercício político, combatendo desigualdades, enfrentando a emergência climática e fortalecendo a democracia.

Outras referências:

O Desinformante

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