A nova investida da bancada ruralista para enfraquecer o licenciamento ambiental

25/08/2017

 

Por João Paulo Capobianco – Presidente do Conselho Diretor do IDS

A bancada do agronegócio, cuja proeminência aumenta na mesma medida em que crescem as dificuldades do governo Michel Temer, volta a ameaçar as conquistas socioambientais do País. O último retrocesso promovido por seus parlamentares é o substitutivo do deputado Mauro Pereira (PMDB-RS) ao projeto de lei 3.729/2004, que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental.

O texto, que está na iminência de ser votado na Comissão de Finanças e Tributação  para, em seguida, ser enviado ao plenário da Câmara dos Deputados, dá vários passos para trás em relação a muitos aspectos da legislação hoje em vigor. Além disso, suas lacunas, imprecisões e dubiedades ameaçam trazer ainda mais insegurança jurídica à atividade econômica.

Mais uma vez, a sociedade civil, a comunidade científica e as populações interessadas foram excluídas do debate de uma questão com efeitos socioambientais imediatos e que afetará as condições de vida das próximas gerações. Caso o texto do relator mantenha seus aspectos mais nocivos, ficará ainda mais distante a possibilidade de que o Brasil retome o caminho do desenvolvimento sustentável .

Seguem abaixo alguns retrocessos incluídos no parecer do deputado Mauro Pereira.

Exclusão do critério locacional – A localização onde se pretende instalar um empreendimento não vai ser considerada no licenciamento, mesmo que seja uma área com alto grau de relevância ou fragilidade ambiental. Essa avaliação será feita por cada unidade da Federação, sem que haja um padrão de procedimentos estabelecido nacionalmente. Especialistas preveem uma espécie de “guerra ambiental” entre os Estados, nos moldes da guerra fiscal hoje existente, com o objetivo de atrair investimentos às custas da questão socioambiental.

Dispensa do licenciamento para atividade agropecuária – O substitutivo prevê a dispensa de licenciamento para toda atividade agrícola, pecuária extensiva e silvicultura. Isso acontecerá independentemente do porte, da localização, do potencial de impacto, da utilização de agrotóxicos e de outras características fundamentais do empreendimento. Mesmo propriedades rurais que não tenham sua situação ambiental regular poderão ser isentas de licenciamento, bastando que tenham a inscrição no CAR (Cadastro Ambiental Rural), procedimento que é autodeclaratório.

Dispensa do licenciamento para obras de infraestrutura – O substitutivo aumentou a lista dos empreendimentos dispensados de licenciamento. A relação inclui a ampliação de rodovias, atividades destinadas à manutenção de hidrovias e portos, instalações de transporte e tratamento de esgoto, obras para o abastecimento de água, entre outros empreendimentos. Não é preciso ser um técnico para saber que obras dessa magnitude têm potencial alto de degradação e que merecem, portanto, uma avaliação detalhada do seu impacto ambiental.

Povos indígenas e comunidades quilombolas – O projeto prevê que os órgãos licenciadores possam desconsiderar as manifestações de autoridades ligadas aos direitos indígenas e das comunidades quilombolas (Funai e a Fundação Cultural Palmares).  O procedimento de licenciamento continuará em andamento mesmo que essas instituições  ainda não tenham se manifestado. O texto diz ainda que a necessidade de participação desses órgãos no processo de licenciamento se restringe aos casos de presença de terras indígenas delimitadas e territórios quilombolas identificados. Dessa forma, povos indígenas e comunidades quilombolas que ainda não tiveram seu direito reconhecido serão desconsiderados durante o processo de licenciamento.

A lista acima reúne apenas algumas das distorções presentes no parecer do deputado Mauro Pereira, texto que “passa a perna” em toda a negociação que estava sendo conduzida pelo Ministério do Meio Ambiente. Com base na falácia de que o licenciamento é um entrave para o desenvolvimento do Brasil, a bancada ruralista propõe uma colagem de reivindicações setoriais que resultará em contestações e insegurança jurídica.

Os setores compromissados com o desenvolvimento sustentável reconhecem a importância de uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que favoreça a atividade econômica em consonância com a preservação dos ativos socioambientais. Infelizmente, a proposta que avança no Congresso ameaça algumas das conquistas mais importantes da sociedade brasileira.

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Texto publicado originalmente no blog “Mais Democracia, Mais Sustentabilidade”, no Estadão. Confira aqui.

 

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