PL do saneamento não será suficiente para enfrentar os problemas estruturais do setor no Brasil

09/12/2019

Os principais desafios estruturais do setor não estão refletidos no novo Marco Legal do Saneamento, que está em tramitação na Câmara dos Deputados. O debate sobre o Projeto de Lei 3.261/19 vem se resumindo à maior participação da iniciativa privada na prestação dos serviços públicos de saneamento (abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, drenagem e resíduos sólidos) e deixa de lado a mudança de paradigma necessária para que de fato tenhamos segurança hídrica em todos os cantos do país. Enquanto o modus operandi do sistema, independente se for ele desempenhado por empresas públicas ou privadas, continuar promovendo enormes investimentos para buscar água cada vez mais longe, com a instalação de grandes infraestruturas cinzas, inacessíveis para pequenos municípios e com grandes impactos ambientais, não haverá água em quantidade e qualidade adequada para toda a população.

Se o PL for aprovado como está, há enorme risco de que as transformações necessárias para que esse serviço seja democratizado e modernizado no país saiam de pauta. Segundo o IBGE, quase 60% dos municípios, os titulares desse serviço, não têm planos de saneamento, enquanto o alcance do serviço nas regiões periféricas e rurais depende principalmente da capacidade dos poderes locais em localizar e priorizar esses territórios. A perspectiva apresentada no PL da criação de blocos regionais sem a autoridade municipal ignora essa prerrogativa e distancia o poder público local, seus planos e metas, e as condições estabelecidas nos contratos com prestadores de serviços, sejam eles públicos ou privados, ainda mais das demandas específicas da população, que em âmbito local têm necessariamente mais meios para se fazerem ouvidas e representadas.

Além disso, a defesa do PL, em grande medida, tem sido justificada pelos parlamentares e algumas entidades do setor pela viabilidade que o novo marco legal garantiria ao atendimento de pequenos municípios, especialmente a partir de um ganho de escala com a criação dos blocos regionais. Porém, esse debate não está sendo realizado de forma transparente com a sociedade. Quais são os cálculos por trás dessa suposição? Ainda hoje, não se sabe como se dão os subsídios cruzados entre municípios atendidos por um mesmo prestador e esse mecanismo não tem garantido que o serviço chegue às populações mais vulneráveis. A descentralização dos poderes e recursos, bem como a ampla participação da sociedade civil e priorização democrática dos investimentos públicos, são fundamentais para a sustentabilidade das políticas públicas. Mas o projeto não só caminha na direção contrária desse princípio, como também ignora as soluções e tecnologias que, para real modernização do setor, sem dúvidas deveriam ser amplamente incentivadas a partir de um novo marco legal do saneamento. Um novo paradigma de segurança hídrica deve estimular inovação e tecnologia, usando soluções baseadas na natureza para regeneração dos recursos hídricos e diminuição dos custos de tratamento e do uso de produtos químicos e de energia para tanto.

Os parlamentares também perdem a oportunidade de incorporar ao arcabouço legal brasileiro, no primeiro artigo da matéria em debate, o reconhecimento explícito do acesso ao saneamento básico como um direito humano fundamental à saúde pública e bem-estar social de todos brasileiros e brasileiras, como já acordou nas resoluções de 2010 e 2015 da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU).

Esses são alguns dos elementos que deveriam ser debatidos no Congresso e com o conjunto da sociedade civil, para avançarmos concretamente na urgente concepção de uma estratégia estruturante para o saneamento básico. Mesmo que o PL seja aprovado, ainda teremos um árduo caminho para adequar a legislação, superar os índices grotescos de acesso ao saneamento no Brasil e atingir as metas do Plano Nacional (Plansab) e do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável #6 da Agenda 2030.

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