Outra oportunidade perdida no saneamento básico em SP – Por João P. Capobianco e G. Checco

21/02/2018

Artigo publicado na edição de 21/02/2018 do jornal Valor Econômico - https://goo.gl/JyHDEV

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Na última segunda-feira de janeiro (29) aconteceu na cidade de São Paulo a audiência pública sobre a metodologia de cálculo da nova tarifa da Sabesp para o período 2017 a 2020. O debate, conduzido pela Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), teve como objetivo cumprir a legislação que determina que a revisão tarifária seja apresentada e debatida previamente com a sociedade. O evento foi concebido como uma oportunidade para as autoridades públicas mostrarem as inovações a serem implementadas e recolher sugestões para aprimoramentos, capazes de promover avanços no atendimento desse atualmente precário serviço básico em muitas cidades paulistas, incluindo a capital. Infelizmente, no entanto, não foi o que ocorreu dadas às inúmeras fragilidades, seja do ponto de vista processual quando de conteúdo.

Os interessados em participar ativamente da audiência pública tiveram apenas oito dias úteis para se debruçar sobre a nota técnica divulgada pela Agência, um documento complexo que demanda aprofundadas análises, consultas e reflexões para se chegar a uma avaliação razoável. Soma-se às dificuldades técnicas o fato de que esta foi a única audiência para a discussão da proposta metodológica, o que limitou a participação dos moradores dos demais 287 municípios atendidos pela Sabesp e regulados pela Arsesp, que sofrerão os impactos da revisão.

Um processo de participação social conduzido dessa forma só poderia levar, como de fato levou, a um baixo nível de efetividade, pois comprometeu a participação ampla e qualificada.

É importante destacar que a participação da sociedade no processo da revisão tarifária não é apenas um direito formal assegurado pela legislação federal (Lei 11.445/07). É um direito de fato, pois frente à dramática redução dos investimentos públicos verificada nos últimos anos, são os próprios cidadãos que sustentam o sistema de saneamento por meio do pagamento da tarifa.

Registre-se, ainda, que além de pagar pelo serviço que não recebe com a qualidade adequada, a sociedade financia o governo federal com valores crescentes do PIS, da Cofins, das contribuições sociais e do imposto de renda recolhidos anualmente das empresas de saneamento e que superam a ordem de bilhões de reais. Além das centenas de milhões de reais que o governo do Estado de São Paulo, na posição de acionista majoritário, retira da Sabesp todos os anos a título de dividendos, sem reinvestir praticamente nada.

Afora os problemas decorrentes do pouco cuidado em fomentar uma participação efetiva dos cidadãos, a metodologia em si é muito limitada e não parece ter sido concebida para tratar de um tema central para a qualidade de vida da população, visto a relação direta entre saneamento básico, saúde pública e bem-estar. Mesmo sendo realizada após a maior crise hídrica que São Paulo já vivenciou, a proposta de revisão tarifária não incorpora mecanismos inovadores para enfrentar o problema. É como se vivêssemos em um cenário de abundância de água e a única questão que merecesse a atenção da Arsesp seria o equilíbrio financeiro da Sabesp.

É evidente que a tarifa precisa garantir a remuneração da empresa que opera o sistema de abastecimento e esgotamento sanitário de milhões de pessoas. Ninguém iria defender um valor que a inviabilizasse. O problema é quando apenas essa questão está colocada sobre a mesa. Foram solenemente ignoradas questões fundamentais como a universalização do saneamento, práticas racionais de redução do consumo, controle de perdas e a despoluição dos rios Tietê, Pinheiros e todos os demais, canalizados ou não.

A chamada revisão tarifária ordinária ocorre em todo o país de quatro em quatro anos. Sabe-se que, em mercados competitivos, as empresas buscam naturalmente a eficiência econômica como uma estratégia de sobrevivência. Como essa busca não ocorre em setores que operam nos chamados monopólios naturais, a regulação governamental é fundamental para estabelecer mecanismos que incentivem tais empresas a adotarem um comportamento semelhante ao de um ambiente competitivo. Ou seja, serem mais eficientes, fidelizarem seus clientes e garantir a perenidade do negócio.

O que se verifica, no entanto, é que a proposta da Arsesp não vai nessa direção. Ao contrário, representa um mero reajuste de preço que será imposto aos cidadãos, sem contrapartidas. Aumento esse que está sustentado em um Plano de Negócios elaborado pela Sabesp que a Agência não divulga, impedindo a sociedade de avaliar o que estará pagando nos próximos quatro anos.

Mesmo questões sobre as quais há consenso da necessidade de ajustes estão sendo desconsideradas. A tarifa mínima fixa de 10 m³/mês, que estimula o desperdício e cobra acima do consumo efetivo de milhares de famílias, permanecerá. Os critérios de abrangência da tarifa social, que hoje restringe o atendimento a cerca de 300 mil famílias, número muito inferior ao socialmente justo, serão mantidos. Ações de conservação e restauração dos mananciais, vitais para a manutenção da qualidade e quantidade de água, principalmente em um cenário de agravamento da crise hídrica decorrente das mudanças climáticas, não são sequer citadas nos documentos da Agência.

Esses fatos levam à conclusão que a Arsesp não assumiu o seu papel de tornar o processo de revisão tarifária uma oportunidade de se criar os incentivos corretos para aprimorar os serviços de saneamento. A Agência segue uma lógica econômica limitada, que tenta equalizar a menor tarifa possível para o cidadão mantendo o equilíbrio econômico-financeiro da empresa. Essa certamente não é a única demanda da sociedade. Universalização, serviço de qualidade e acessibilidade deveriam ocupar o centro dessa discussão.

João Paulo R. Capobianco, biólogo, é presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS). [email protected].

Guilherme B. Checco é pesquisador do IDS e mestrando em Ciência Ambiental pela USP – [email protected]

 

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