Um plano diretor aquém do que São Paulo merece

30/06/2023

Por Ricardo Young, presidente do IDS Brasil
Carolina Riberti Mattar, coordenadora executiva

A cidade de São Paulo atravessa um ponto de inflexão em relação ao futuro, a revisão de seu Plano Diretor originalmente concebido em 2014. Na época as Nações Unidas ainda não haviam aprovado os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e suas 169 metas associadas. Portanto, ainda não havia o ODS 11, que preconiza “tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”. Somente a partir de 2015 os ODS passaram a vigorar, com a aprovação de 193 países membros, incluindo o Brasil.

Neste ano de 2023 o mundo está a meio caminho de cumprir as metas projetadas para 2030 pelos ODS. A atual revisão do Plano Diretor de São Paulo reforça logo de início que busca o alinhamento das diretrizes para a cidade aos ODS, especialmente aqueles ligados à segurança climática. No entanto, muitos formuladores de políticas públicas ainda relutam em alinhar propostas que apontem para o horizonte de esperança e qualidade de vida previsto neste acordo internacional. Essa relutância também está presente na atual revisão do Plano Diretor da Cidade de São Paulo, especialmente no capítulo que trata do adensamento de regiões próximas a serviços de transporte público, como Metrô, corredores de ônibus, estações ferroviárias e outras formas de mobilidade coletiva.

Organizações da sociedade civil e urbanistas alertam que oferecer junto a esses equipamentos públicos imóveis de alto custo e que utilizam espaços nobres de moradias para a oferta de garagens é uma distorção, em um claro desestímulo à mobilidade por meios coletivos. Enquanto isso a cidade padece com regiões de urbanização precária ou inexistente, longe de oportunidades de trabalho e com transporte de qualidade e quantidade abaixo daquilo preconizado pela ONU. A revisão do Plano Diretor cedeu aos interesses das incorporadoras e construtoras ao entregar para a especulação imobiliária áreas próximas aos equipamentos públicos de mobilidade, deixando de lado o propósito de oferecer moradias para as classes de menor renda.

São Paulo é a maior cidade da América Latina e deve servir como referência em políticas públicas para todo o Brasil. Além disso é o centro da maior região metropolitana do país. A cidade é um grande laboratório em modelos de gestão pública, seja avaliando tecnologias ou trabalhando com formatos inovadores de resolver questões de urbanismo, educação, saúde pública e tudo o mais que envolve cuidar de quase 11,5 milhões de pessoas. A cidade dispõe de meios para estar na vanguarda do conhecimento e da gestão pública, com universidades, empresas de ponta, capacidade financeira e algumas das mais importantes organizações da sociedade civil e Think Tanks que projetam seu desenvolvimento.

A meta nº 1 do ODS 11 aponta para a necessidade de “Até 2030, garantir o acesso de todos à habitação segura, adequada e a preço acessível, serviços básicos e urbanizar as favelas”. O debate sobre o Plano Diretor, no entanto, se concentrou fortemente sobre as porções mais nobres do território urbano, sem alcançar o que os técnicos costumam chamar de “a última milha”. É nessa fronteira da dignidade humana que as carências surgem como chagas na face da civilização.

Sem dúvida, o debate sobre a ocupação de espaços de privilégios na cidade é fundamental inclusive para a democratização dos benefícios de se viver na cidade mais rica do Brasil. No entanto, não pode haver miopia em relação aos vazios urbanísticos e as carências das periferias. A mobilização da sociedade civil alcançou alguns resultados. Porém, insuficientes diante dos imensos desafios a serem enfrentados no caminho da cidade em direção a um futuro democrático e sustentável. (IDS)

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