O papel das organizações socioambientais no Brasil e na América Latina

23/07/2025

Rachel Biderman, advogada formada pela USP, com mestrado em Direito Internacional, mestrado em Ciência Ambiental pelo Procam/USP e doutorado em gestão público pela FGV é dona de uma trajetória profissional profundamente enraizada no terceiro setor e em organizações internacionais. Nesta conversa com a equipe do IDS, ela compartilha sua perspectiva sobre o cenário do ativismo socioambiental no Brasil e na América Latina. Com passagem pelo World Resources Institute (WRI) e, atualmente, na Conservação Internacional, onde supervisiona o trabalho na América Latina, Biderman se define como uma “ambientalista brasileira que faz a ponte” entre doadores, filantropos e organizações internacionais com o Brasil, estendendo essa atuação, nos últimos anos, para toda a América Latina.

Para ela, o papel primordial das organizações socioambientais reside em manter o “alerta e a chama acesa”, expondo à sociedade os desafios urgentes que demandam ação. Ela ressalta a importância da diversidade das organizações sociais, de ativistas a executoras de projetos no campo, enfatizando o papel de cada uma na contribuição, à sua maneira, para sinalizar problemas ou para apresentar soluções. “Essas organizações são pontes com o futuro”, explica, conectando gerações não apenas em questões ambientais, mas em uma grande variedade de temas, que passam por direitos humanos, à saúde, à educação, à paz e tudo o mais que representa o processo civilizatório, sempre buscando um caminho para uma humanidade melhor e um legado mais positivo.

Rachel Biderman entende que o papel das organizações sociais vai além do ativismo e das ações em campo. Para ela, a gestão do conhecimento e o aprofundamento de algumas organizações, como o IDS, por exemplo, na busca de conhecimento estruturado e com metodologia científica é fundamental para o fortalecimento do campo socioambiental; “Há temas complexos que precisam ser estudados, compreendidos e transmitidos para a sociedade de maneira a fortalecer a transição nos mais diversos campos da ação econômica, social e política”, explica.

Muitas dessas organizações dedicam-se à pesquisa aplicada, buscando soluções concretas para os desafios socioambientais, conectando governos, empresas e a sociedade civil para demonstrar a viabilidade dessas soluções. O avanço científico, especialmente nas áreas climática e de conservação, tem gerado diversas abordagens, desde tecnologias inovadoras até soluções baseadas na natureza e agricultura regenerativa. As organizações que se dedicam à pesquisa desempenham um papel estruturante ao traduzir esse conhecimento científico em práticas acessíveis para a sociedade e as comunidades.

A profissionalização das ONGs

Ao refletir sobre a profissionalização do setor, Rachel Biderman observa uma evolução significativa ao longo de seus 33 anos de experiência. O voluntarismo, comum no início, deu lugar a uma crescente presença de profissionais altamente qualificados, com uma base de conhecimento muito mais ampla. Ela destaca que as novas gerações já demonstram maior qualificação e consciência em relação aos desafios planetários, com acesso facilitado à informação e maior capacidade de questionamento. Contudo, ela expressa preocupação com um grupo de jovens que se mostra desesperançoso, o que considera um grande desafio a ser enfrentado.

Em relação às fontes de recursos para o ambientalismo, a ativista aponta para um crescimento nos últimos 10 a 15 anos, impulsionado principalmente pelo setor privado e financeiro, que começa a reconhecer os riscos das mudanças climáticas e a investir em soluções, muitas vezes com retorno para os negócios. A filantropia também cresceu, especialmente no hemisfério norte, onde incentivos fiscais favorecem as doações. No entanto, ela adverte que a dependência de recursos externos pode trazer limitações, com agendas predefinidas que nem sempre se alinham com as prioridades locais. 

A dificuldade de acesso a fundos multilaterais por organizações menos profissionalizadas e a recente tendência de diminuição de recursos da cooperação internacional também são pontos de preocupação. Em contrapartida, ela vê um aumento nas parcerias corporativas e no potencial do mercado de carbono como fontes alternativas de financiamento, embora com suas próprias particularidades e desafios. Para ela, o alinhamento das pautas empresariais com as demandas da sociobiodiversidade é apenas parcial e vinculado a áreas onde os interesses convergem.

A proximidade da COP30 no Brasil é vista por Rachel Biderman como uma oportunidade ímpar para o país mostrar o acúmulo de conhecimento e a alta profissionalização do seu terceiro setor, especialmente no que se refere à Amazônia e a biodiversidade dos biomas brasileiros. Ela espera que o evento sirva como uma “grande vitrine” das soluções brasileiras, desde que a participação das organizações sociais seja viabilizada de forma acessível. E esse é um ponto que merece muita atenção, não apenas de governos, mas também das muitas empresas que irão a Belém para dar uma tonalidade verde a seu marketing. 

A participação plural das organizações vai precisar de recursos para garantir a logística e a infraestrutura necessária para essa presença, que será fundamental para apresentar demandas, soluções e inovações que serão parte importante do legado dessa COP. 

De ponto de vista internacional, a COP30 representa uma oportunidade crucial para o Brasil clamar por justiça climática e enfatizar a necessidade de alianças entre todos os setores, em especial o engajamento fundamental do setor financeiro em investimentos alinhados com as metas climáticas globais.

Olhar para o futuro

Rachel Biderman demonstra otimismo em relação ao futuro, ancorada em sua vivência na época da Agenda 21 e na crença no potencial dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como um “mapa do caminho”. Ela deposita sua esperança nas novas gerações, que já demonstram uma compreensão única da urgência da questão ambiental, e acredita que a transição de poder para essa geração será um ponto de inflexão.

A lembrança da Carta da Terra e da Agenda 21 reforça a visão da ativista sobre a existência de uma “receita” para o desenvolvimento sustentável, um caminho já traçado que agora demanda ação e implementação efetiva. Sua perspectiva experiente e engajada oferece um panorama valioso sobre os desafios e as oportunidades para as organizações socioambientais na construção de um futuro mais justo e sustentável para o Brasil e a América Latina.

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