Mariana Gianiaki: os alertas de uma consultora

13/12/2023

Esta conversa da equipe do IDS Opina com a associada do IDS Mariana Gianiaki* mostra como a existência de diagnósticos sobre a maior parte das questões ambientais e climáticas nem sempre significa que caminhamos em direção às soluções.

Muitas vezes as conversas entre uma consultora e seus clientes, sejam empresas ou organizações sociais, parecem com os alertas que os pais fazem aos filhos: “Olha, o calor vai ser insuportável, beba bastante água”. E nem sempre os filhos dão atenção. O mesmo acontece com muitas das empresas que ouvem os alertas sobre a emergência climática, que já assola todas as regiões do Brasil e grande parte do planeta Terra.

Mariana Gianiaki é uma consultora com muitos quilômetros de estrada, tanto em consultoria como em gestão ambiental. Nesta conversa com o IDS Opina, ela fala sobre essa dificuldade de convencer pessoas, empresas e organizações sobre a realidade das mudanças climáticas e a urgência em mudar comportamentos e culturas.

IDS Opina – Já podemos dizer que vivemos o tempo da Emergência Climática?

Hoje já temos uma realidade de emergência climática, isso mostra que, infelizmente, não fomos felizes nos movimentos que temos feito há mais de 30 anos. O histórico do ambientalismo no Brasil e no mundo, desde Estocolmo, em 1972, e nos estudos do Nosso Futuro Comum, e mesmo relatórios anteriores de alguns órgãos internacionais, já apontavam que as emissões iam trazer esse cenário complexo relacionado ao clima. E as consequências desses impactos e riscos. Acredito que a comunicação seja o caminho para a transformação necessária, com a urgência que os desastres climáticos estão exigindo.

IDS Opina – Há ainda questões que precisam ser esmiuçadas e diagnosticadas?

Não é mais uma questão de diagnósticos ou de referências científicas, mas sim de convencimento por meio da cultura, da comunicação em rede e do convencimento de uma sociedade hiperconectada. Os atores governamentais estão, de alguma forma, na vanguarda dos diálogos multilaterais para prevenção climática, mesmo que muitos não partam para a ação efetiva. Então, acredito que os atores privados podem ser responsáveis por uma agenda realmente transformadora. Nos discursos dos relatórios de sustentabilidade, está estampado que as empresas sabem, de fato, o que fazer. Agora, basta aplicar aquilo que desenham no papel em belas palavras e figuras.

IDS Opina – Nos últimos dois ou três anos, uma nova sigla emergiu no cenário empresarial, o ESG.

A agenda ESG tem tomado boa parte do interesse das empresas, em um movimento que tem uma forte relação com compliance e a busca de certificações nacionais e internacionais, que garantem o capital de reputação que os principais mercados exigem.

Um dos caminhos que precisamos seguir é o da qualificação dos atores públicos e privados, para que os avanços em direção a políticas públicas comprometidas com a qualidade climática e executivos esclarecidos e comprometidos com metas ESG possam fazer a diferença no cotidiano da gestão pública e privada.

IDS Opina – Outro ponto de preocupação são os gestores públicos que surgem a cada eleição.

Mesmo com movimentos como o da SOS Mata Atlântica para monitorar a plataforma ambiental de candidatos desde 2012, os avanços não têm acontecido na velocidade e urgência necessárias. A gente gostaria que cada candidato tivesse uma agenda de compromissos relacionada à pauta ambiental. E que, de fato, a implementasse durante seu mandato. Isso não tem acontecido, no entanto, o movimento tem que continuar. 

Acredito que é preciso mudar as ferramentas desse movimento. Analisarmos objetivamente o que foi utilizado, quais foram os objetivos, e se foram alcançados. Enfim, fazer uma análise, uma reflexão sobre essas experiências, para pensar em novos caminhos e novas alternativas. Porque, se desde 2012 a gente está fazendo a mesma coisa e ainda não conseguiu efetividade na escala necessária, talvez seja um bom momento para refletir, pensar em outra estratégia, com outras ferramentas.

IDS Opina – É importante trabalhar com políticos, mas e os eleitores?

Do meu ponto de vista, a variável mais importante que falta nesse movimento é justamente trabalhar junto com os eleitores. No Brasil, não há uma educação formal sobre a democracia e o processo eleitoral, que seria fundamental para uma cobrança mais assertiva das promessas dos candidatos e seus atos efetivos durante os mandatos. Ter eleitores mais bem informados sobre o exercício dos mandatos e participantes do diálogo público pode significar melhores candidatos para uma gestão pública comprometida com a sociedade.

IDS Opina – Há, por parte dos eleitores, uma consciência sobre o que é e qual a importância da democracia?

As pessoas desvalorizam a democracia porque assistem diariamente na televisão aqueles que operam hoje o arcabouço democrático brasileiro envolvidos em escândalos. É um que rouba, outro que destrói o trabalho do antecessor. Então, as pessoas assistem e pensam: “isso não é pra mim”, “eu não quero saber disso porque isso não serve”. O que precisamos é redefinir o conceito de democracia, traduzir o que é democracia para as pessoas. Qual é o papel do cidadão dentro desse complexo democrático enorme que é o Brasil. 

Então, para que serve um vereador? Qual é a atribuição institucional de um vereador, um representante da Câmara de Vereadores? Qual é a estrutura do município, para que serve o prefeito, o secretário? Qual é a função de cada um deles? Isso, para nós, é muito claro porque trabalhamos com isso. Mas, para a maioria esmagadora das pessoas, esse entendimento é completamente desconhecido. 

IDS Opina – Na mídia, as notícias boas nem sempre ganham destaque.

Grandes conquistas do Congresso Nacional e o caráter positivo das atividades legislativas não são pautadas nas grandes mídias. O que vemos publicado é um escândalo, uma legislação absurda que vai impactar negativamente, a mídia não abre espaço para o bom trabalho. A mídia aborda muito menos as boas pautas políticas do que as ruins. Talvez seja o caso de tornar público não apenas os malfeitos, mas também as coisas boas que políticos fazem em seu trabalho cotidiano. Mostrar que a democracia também resolve problemas da sociedade. Explicar que política pública não é o mesmo que política partidária.

IDS Opina – As cidades estão preparadas para as transformações necessárias?.

Um dos grandes dilemas dos municípios é fazer um plano diretor. Os interesses envolvidos são enormes e apenas os vereadores podem mediar o conflito entre o interesse da sociedade e a indústria imobiliária. As cidades precisam se expandir, mas qual é a capacidade que essas cidades têm de fazer efetivamente um planejamento do território que considere essas demandas importantes? No sentido de manutenção, de serviços ambientais, qualidade de vida, abastecimento público de água, manutenção do clima local, e sabemos que existe uma influência forte na manutenção da vegetação para um microclima. 

IDS Opina – No que você está trabalhando?

Estamos trabalhando com processos de sensibilização dos gestores das cidades, para garantir a qualidade de vida urbana, assim como com os proprietários de terra, os pequenos proprietários, para uma transição para a agricultura de baixo carbono, por exemplo, com integração de lavoura, pecuária e floresta. Dos dois lados, na cidade e no campo, é preciso mostrar que os cuidados com o meio ambiente e com a qualidade dos recursos naturais melhoram o desempenho econômico da cidade e do campo.

O trabalho de transição vai muito além de pegar as boas práticas e escalar essa boa experiência. É também mudar as nossas ferramentas que historicamente não estão sendo efetivas, que podem trazer algum resultado, mas ainda não têm ganho de escala. 

* Mariana Gianiaki – Graduada em Gestão Ambiental pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (2005) e atualmente cursa Geografia pela mesma instituição. Presta assessoria para os 19 municípios, atuando na Associação Ambientalista Copaíba para realização do processo de elaboração dos Planos Municipais de Biodiversidade com Lente Climática. É consultora da Fundação SOS Pró-Mata Atlântica no Projeto Planos da Mata. Trabalhou na Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo, na Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais, na Assessoria de Mobilização Social e no Programa Município Verde Azul, que promove a descentralização da gestão ambiental junto aos municípios. É também diretora de Relações Institucionais da Organização Não Governamental Ecos do Vitória.

(IDS Brasil)

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