Em busca da utopia da democracia participativa

17/08/2023

O desenvolvimento e a inovação vêm sempre a partir de um olhar para o horizonte. A busca por utopias é o que move as sociedades. Um diálogo com Pedro Ivo de Souza Batista, associado e fundador do IDS.

Apresentar um breve currículo do cearense Pedro Ivo de Souza Batista, ou simplesmente Pedro Ivo, como se tornou conhecido na constelação de organizações e pessoas que lutam por liberdades e direitos, não é tarefa simples. Há muitos rótulos, porém nenhum que lhe calce por completo. Socioambientalista, educador popular, sindicalista, fundador do Instituto Associação Terrazul, sócio-fundador e atual vice-presidente do IDS, assessor especial da ministra Marina Silva em 2003, para coordenar a Agenda 21 no Ministério do Meio Ambiente, em 2005 secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Fortaleza e coordenador-geral da II Conferência Nacional do Meio Ambiente, ex-membro do Conama, e a lista segue com muitos outros cargos. No entanto, mais do que cargos, o que define Pedro Ivo é sua capacidade de mobilizar, organizar e lutar pelo que acredita.

Nesse universo de militâncias e missões, ele diz que guarda um espaço com muito carinho para o IDS, organização da qual é sócio fundador. Para ele, a democracia passa por um momento de retomada, depois de quatro anos de autoritarismo. “Nossa tarefa não é apenas resgatar a democracia no Brasil, mas também qualificá-la”, explica. Como um ativo militante dos movimentos sociais, Pedro Ivo aponta que um dos principais desafios da nossa democracia representativa é incluir em seu cotidiano elementos da democracia participativa. “Essa é uma utopia pela qual vale a pena lutar”, destaca. O viés autoritário ainda está muito presente nas estruturas políticas da América do Sul, e a participação social é a única vacina contra os arroubos autocráticos, detalha. 

Democracia e sustentabilidade são, para Pedro Ivo, as raízes de uma sociedade livre e saudável. Da mesma forma que há uma forte participação social nas lutas pela sustentabilidade em suas múltiplas formas, a democracia também precisa da vitalidade dos movimentos sociais. E a democracia representativa tem um papel, mas a democratização plena do país apenas se dará com a participação social por meio dos conselhos. “A sociedade brasileira ainda não se mobilizou de forma expressiva pelos conselhos, sejam eles comunitários e municipais, ou mais amplos, como os federais”, e explica que grande parte das pessoas não sabe sequer da existência dos conselhos nacionais de Saúde, Meio Ambiente, Segurança Pública, Educação e outros. O fortalecimento dessas instâncias de políticas públicas em todos os níveis da federação é um caminho desejável para o fortalecimento da democracia brasileira. Sobre os conselhos municipais então, a ignorância é quase absoluta, o que facilita que sejam capturados por interesses pouco republicanos.

Pedro Ivo defende a participação social como o caminho de enfrentamento de quase todas as crises do nosso tempo. E cita como exemplo a crise climática, que não se resolverá com uma canetada, mas sim com o engajamento das organizações sociais e setores da economia que já perceberam que o risco ambiental é, também, um risco econômico de grande magnitude.

O atual governo representa uma grande oportunidade, ao menos nas diretrizes programáticas. Temos muitos movimentos caminhando em direção a uma transformação real do país e do modo de vida, o que significa justamente o fortalecimento da democracia e da sustentabilidade. Pedro Ivo vê na mobilização atual o ambiente social e político para o fortalecimento institucional do IDS e de suas principais pautas. Vê, especialmente na articulação do pacto federativo, a possibilidade de um impulso ao fortalecimento do papel dos conselhos na formação e execução de políticas públicas em todo o território brasileiro.

“Assim como nós falamos numa transição ecológica, energética e climática, nós precisamos de uma transição para a democracia direta”, afirma. “Eu sou um defensor da democracia direta e, para isso, que ainda é uma utopia, a grande utopia do mundo contemporâneo, nós precisamos também caminhar em direção a essa utopia.” Pedro Ivo aponta essa transição justamente na combinação entre a democracia representativa e a democracia participativa. “É preciso cada vez mais criar espaços de controle social, de transparência e participação da sociedade.”

A Constituição de 1988 criou a figura do plebiscito. No entanto, os governos praticamente abandonaram a opção de consultas à sociedade em temas fundamentais como a exploração de petróleo, políticas de saúde, educação e muitos outros temas em que a sociedade deveria ter voz. Temos eleições no Brasil a cada dois anos, momentos que poderiam ser usados para colocar para escrutínio da sociedade uma série de questões importantes para a democracia e o desenvolvimento brasileiro, opina Pedro Ivo.

Ele cita o PPA Participativo (Plano Plurianual Participativo) como um avanço, ao levar em conta a participação social em instâncias de planejamento. Entretanto, o sistema ainda é muito limitado, mas os avanços da tecnologia e da internet, com os devidos cuidados em relação à segurança de dados e controle de fakes, poderiam ser utilizados para a ampliação da participação social em temas em que fossem necessárias consultas públicas.

As consultas à sociedade são fundamentais para que o planejamento possa avaliar e modelar o tipo de políticas públicas que podem assumir um papel na transição do Brasil para uma sociedade realmente democrática e sustentável. E, nesse quesito, o IDS pode ter um papel estruturante nos estudos e diálogos sobre a transição da democracia, oferecendo clareza de propósito sobre o modelo de democracia que defende.

O ataque aos conselhos desferido no início do governo Bolsonaro mostrou a fragilidade do modelo institucional adotado até agora. Apenas os conselhos criados por lei não foram extintos, dezenas de outros simplesmente foram apagados. E mesmo os conselhos criados por meio de leis foram alvo de desconstruções. O caso do Conama é exemplar: com uma canetada, em 2019, o governo reduziu o número de conselheiros de 96 para 23, expelindo quase todos os representantes da sociedade civil, que eram 22, ficando apenas quatro. O atual governo recompôs o Conama: “tenho a honra de ser um conselheiro no novo formato”, contou Pedro Ivo, ressaltando que o ideal é que os conselhos sejam estruturados como políticas de estado, ficando imunes aos humores dos governos de plantão.

O Brasil, segundo ele, não tem tradição em políticas de Estado, o que precisa ser mudado, e vale a pena lutar por isso. É a forma mais saudável de estruturar a participação social de organizações que atuam no território, na academia e na construção de arcabouços teóricos, como apoio aos quadros técnicos e políticos dos governos em decisões que envolvem a vida de milhões de pessoas. “Sem isso, é muito fácil destruir políticas públicas”, alerta Pedro Ivo.

Precisamos de uma clara separação entre políticas de Estado e políticas de governo. Já aprendemos muito, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. “Para que a gente avance nessas questões, inclusive para a sustentabilidade, é fundamental ter um estado democrático. E que haja clareza sobre o seu papel”, pontua. E conclui: “O IDS é uma organização de grandes mentes e de imensa capacidade de articulação. A pauta da democracia precisa de um abraço mais forte”.

Parceiros