11/11/2021
O entrevistado do IDS Opina de novembro é Ricardo Guimarães, associado do IDS e ex-publicitário, consultor da área de branding para marcas como Natura, Globo, HP, Banco do Brasil, Companhia Suzano, Droga Raia, entre outras. Ele acredita no lema: reduza, reutilize, recicle, reinvente. E divirta-se!
Conversamos sobre o mito fundador de nossa sociedade ocidental, a idade emocional do Brasil e de que maneira podemos nos manter otimistas procurando olhar a vida como um filme e não como uma fotografia.
Acompanhe!
Ricardo Guimarães – Sim. Acredito que a comunicação está em crise e aquela que conhecemos e que sempre fizemos precisa ser reinventada. A gente vem de uma cultura de comunicação onde havia a possibilidade de observar as pessoas com as quais você estava falando e assim a gente ia se adequando ao interlocutor desse diálogo. Era possível aprender a linguagem dessas pessoas. Mas, essa comunicação do Século XX não funciona mais. As pessoas mudaram. A nova experiência da nossa sociedade contemporânea mudou muito rapidamente.
Não existe mais aquela linearidade de emissor/ canal/ receptor. Não existe mais tempo entre o fato e o conhecimento do fato. A tecnologia instalada nas nossas relações expõe tudo o tempo todo e com isso pessoas perdem credibilidade da noite para o dia. Hoje estamos atuando em um cenário aberto, dinâmico, horizontal e em rede. Nossas relações são pautadas por identidades e existem negociações permanentes. Não sabemos fazer isso ainda, por isso estamos em crise nesse sentido.
Acredito que estamos vivendo uma era de opiniões, as pessoas estão experimentando dizer o que acham sobre tudo, ocorre uma compulsão para opinar. Quando somos jovens, por exemplo, temos uma tendência a sermos muito passionais em suas opiniões. Jovens normalmente amam ou odeiam algo ou alguma coisa. Não tem muito meio termo. Eu vejo dessa forma o momento de polarização atual que vivemos, um momento juvenil da nossa sociedade, um momento de adolescência generalizado onde estamos exercendo o aprendizado sobre quem somos, caminhando para uma tomada de consciência das individualidades. E logo seremos capazes de formar coletivos mais autônomos, saudáveis, espontâneos e com uma afinidade verdadeira. Acho que isso faz parte inevitavelmente de um processo evolutivo.
Ricardo Guimarães – Isso é reflexo da nossa contemporaneidade. Tudo isso se encontra dentro do contexto de exposição permanente propiciado pelas ferramentas que temos hoje. Nunca tivemos tanta liberdade de expressar qualquer coisa. Nunca tivemos tanto recurso disponível para falar. E para buscar informação e conhecimento também. No entanto, temos instituições dominadas por radicais que vão inibir as opiniões que não lhes convém e isso faz parte desse processo. Essa radicalização não é algo novo. Isso é algo que se mostrou agora, pois antes ela não era evidente, mas sempre existiu. Do ponto de vista histórico, um benefício que Jair Bolsonaro provocou (se é que temos algum) foi de evidenciar tudo que estava debaixo do tapete. A emergência de uma realidade não conhecida, ou que a gente não queria aceitar que existia. Existe agora uma nova dinâmica da sociedade que não é mais formada por indivíduos submissos receptores de mensagens, é uma dinâmica social mais dinâmica e intensa.
Então, o que é democracia nessa sociedade? Ao contrário do que muita gente pensa, não acho que nossa democracia esteja morrendo. Ela está evoluindo. Embora tenha sido acometida por percalços que a deixaram combalida, frágil e alvo de pensamentos perniciosos, ela pode ficar mais forte depois dessa fase. Estaremos menos sujeitos às manipulações golpistas. Acabou a ilusão de que a democracia estava dada e forte. Ela precisa ser construída no cotidiano e com isso podemos aprender como melhorar nossos processos e sermos mais transparentes. Existe uma oportunidade aí! Mas não temos garantias de nada, não temos como fazer uma previsão segura. A pandemia de Covid-19 inclusive nos mostrou que não temos o menor controle sobre nada e que a natureza com sua exuberância é imprevisível às ferramentas toscas dos homens.
Ricardo Guimarães – Nossa cultura ocidental tem um berço machista, antropocêntrico, focada totalmente no gênero masculino que é colocado no centro. Ou seja, temos a centralidade do homem e todo o resto está a serviço dele: a mulher, o porco, a vaca, a galinha, o caju, a laranja, etc. A natureza é selvagem e precisa ser dominada. Isso vem desde o mito da criação de Gênesis (Bíblia) e com a visão de Deus pai masculino/ hierarquia. Quando pensamos em Adão e Eva, o pecado original é o pecado do conhecimento, é abrir os olhos e querer ver/ conhecer/ experimentar. Eles viram e ao fazer isso tiveram vergonha da nudez e se tornaram mortais, foram expulsos do Paraíso. Dessa forma, criamos uma cultura social pautada na punição, no medo e no julgamento moral. Toda uma cultura de culpa, de dominação do outro, de exploração do outro.
A humanidade vem evoluindo desde então, fizemos muitas coisas legais, mas o cerne da questão não mudou: o poder do homem ainda é algo extraordinário. A visão antropocêntrica está instalada na nossa segurança emocional. Aceitar a mulher é aceitar a fragilidade do ser humano, mas fragilidade é algo inaceitável em nossos tempos, pois a soberba é masculina. A condição da mulher, o ser feminino, cura a soberba. Precisamos colocar a vida no centro, não o homem no centro. Fundamental, portanto, construir uma dinâmica de gestão empresarial onde tudo é interdependente, inclusive o ser humano da natureza, das relações cíclicas, da vida cíclica.
Na minha opinião, o negacionismo está pautando a imprensa para a questão da crise climática. Nunca se falou tanto disso como agora, justamente porque temos o movimento negacionista. E com isso, eu acredito que exista um movimento de acordar as pessoas para o tema ambiental bem mais que antes. Alguns passaram a buscar informação, outros preferem acreditar em soluções fáceis e respostas rápidas. Temos que olhar o filme e não uma fotografia isolada. Obviamente que há o risco de não dar tempo, de nenhuma ação conseguir ser efetiva e de dar tudo muito errado, mas também de dar mais certo do que vinha dando. Acho que estamos quebrando os ovos da omelete. Sou otimista e estou alerta.
A visão de sustentabilidade é urgente que se faça no aqui e agora. Aliás, precisamos erotizar a Sustentabilidade na inovação, torná-la atraente. E não como algo do futuro, para as próximas gerações ou para servir à prestação de contas das empresas. A sustentabilidade não pode funcionar na base da culpa. Queremos viver aqui e agora e para isso buscamos evoluir para viver melhor, com mais saúde e vitalidade, isso é sexy e alegre. Mas a cultura social ainda é punitivista, as pessoas só são convencidas a fazer algo se tiver alguma punição, alguma multa caso não faça. Ninguém está buscando entender a dinâmica da vida na sua essência, mas isso é fundamental. Não podemos perder essa oportunidade de evoluir. Colocar a vida no centro, pois a vida é aventura. Uma descoberta permanente.
Relembre o debate que o IDS promoveu em 2016: “saindo do gueto ambientalista“, que Ricardo Guimarães participou.
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