20/11/2024
A maioria dos setores econômicos depende do mercado financeiro para crescer – e as iniciativas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas não fogem a essa regra. Na COP29, o centro das atenções foi o volume de recursos que os países desenvolvidos destinarão ao combate ao aquecimento global, considerando sua histórica responsabilidade pelas maiores emissões de gases de efeito estufa e sua capacidade orçamentária para ampliar esses investimentos.
Durante o painel “Alinhamento das regulamentações financeiras relativas à gestão de riscos climáticos, ambientais e sociais” no dia 20 de novembro, Marcio Astrini, Secretário Executivo do Observatório do Clima, destacou que a simples normatização não basta. É fundamental que agências reguladoras apliquem efetivamente políticas para assegurar que o sistema financeiro não financie a degradação ambiental.
Ana Toni, Secretária Nacional de Mudanças do Clima e Conselheira da Presidência da COP29, abriu o debate enfatizando a importância de aproximar as finanças e o meio ambiente. Para ela, o tema climático deixou de ser um nicho e se consolidou como pauta transversal à economia. “Os recursos precisam ser suficientes, acessíveis e chegar com agilidade aonde são mais urgentes”, afirmou, defendendo um conjunto diversificado de instrumentos financeiros para atingir esses objetivos.
Marcos Woortmann, Diretor Adjunto do IDS e mediador do painel, lembrou que 11 organizações da sociedade civil brasileira apresentaram, neste ano, proposta de alinhamento e fortalecimento das regulações financeiras em matéria climática e socioambiental. A iniciativa visa pôr fim à arbitragem regulatória, quando atores do mercado escolhem o conjunto de regras mais vantajoso – prática identificada, por exemplo, no agronegócio, que migra do crédito rural para o mercado de capitais para driblar exigências socioambientais.
Luciane Moessa, fundadora e Diretora da Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), explicou que o Brasil conta hoje com quatro órgãos reguladores financeiros – Banco Central, CVM, SUSEP e PREVIC – mas com abordagens distintas sobre riscos socioambientais. Para uniformizar padrões, ela defendeu a adoção do modelo de crédito rural, considerado o mais avançado do país, em outras áreas do sistema financeiro. Entre os cinco pontos fortes desse modelo, destacam-se: definição clara das operações sujeitas a avaliação de risco socioambiental; obrigatoriedade de diligências e cumprimento da legislação ambiental; integração de bases públicas de dados; compartilhamento de informações com instituições financeiras; e sanções objetivas para descumprimento das normas.
Claudio Filgueiras, chefe do Departamento de Crédito Rural do Banco Central, revelou que, em 2024, mais de US$ 1 bilhão foram bloqueados em operações irregulares graças à integração de bases de dados de órgãos como IBAMA, ICMBio, FUNAI, Ministério da Justiça e Serviço Florestal Brasileiro. Com fluxo anual de 2,3 milhões de operações, totalizando US$ 74 bilhões, o sistema também conta com monitoramento por satélite e parcerias com EMBRAPA e INPE para aprimorar o acompanhamento de imóveis rurais. Desde a Resolução BCB 204, que criou o Comitê de Acompanhamento de Riscos de Crédito Rural (CACR), a transparência dessas operações só tem avançado.
Marcos Woortmann ressaltou, ainda, a necessidade de que os demais reguladores financeiros, que não dispõem da mesma estrutura do Banco Central, atuem de forma integrada. A cooperação entre órgãos evitará sobreposição de esforços e tornará mais eficiente a atuação da Administração Pública brasileira em defesa da sustentabilidade.
Raíssa Ferreira, diretora de campanhas do Greenpeace Brasil, apresentou a iniciativa da organização “Bancando a Extinção”, lançada em abril, com foco no setor financeiro para adoção de mudanças sistêmicas. Com base em estudo sobre operações de 2018 a 2022, o Greenpeace identificou financiamentos a imóveis sobrepostos a terras indígenas, unidades de conservação e áreas embargadas. A organização defende a proibição de crédito em imóveis embargados por uso ilegal de fogo e a rastreabilidade obrigatória do gado.
Ao final, reforçou-se a necessidade de que todos os reguladores financeiros atuem de forma integrada, evitando duplicidade de esforços e fortalecendo a eficiência da administração pública brasileira na promoção de um sistema financeiro comprometido com a sustentabilidade.
Painel completo aqui.
Proposta Decreto federal elaborada pelas 11 organizações na íntegra aqui.
Além das quatro organizações presentes no painel, compuseram a Nota Técnica que embasa o Decreto federal as seguintes entidades: Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Ethos, Conectas Direitos Humanos, Instituto de Pesquisas da Amazônia (IPAM), Instituto Cerrado do Brasil, Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente (ABRAMPA) e Instituto de Direito Coletivo (IDC).
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