Câmara discute “PL da Devastação” e acende alerta sobre futuro do licenciamento ambiental

10/07/2025

No dia 10 de julho, a Virada Parlamentar Sustentável promoveu audiência pública para avaliar o Projeto de Lei 2.159/2021 — PL da Devastação, em parceria com o Observatório do Clima, Frente Parlamentar Ambientalista e Frente Parlamentar Mista em Defesa da Transição Climática Justa.
Convocada pela deputada Socorro Neri, a sessão reuniu representantes do Executivo, de órgãos estaduais e municipais e da sociedade civil, num debate marcado pela convergência em torno de riscos técnicos, jurídicos e socioambientais.

O procurador da República Daniel César Avelino abriu o encontro lembrando que “o licenciamento ambiental é, em primeira instância, uma proteção das pessoas” e advertiu que, sem o controle social adequado, “pode repetir tragédias como a de Mariana e Brumadinho”. Foi também ressaltado que o PL contraria decisão do Supremo Tribunal Federal ao ampliar o autolicenciamento por adesão e compromisso (LAC) a empreendimentos de médio impacto, extrapolando o escopo autorizado pela Corte.

Na segunda mesa de debate, o diretor‑adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade, Marcos Woortmann, enfatizou o alcance das mudanças propostas:

“Este é um debate que vai moldar não apenas o desenvolvimento econômico de um país, mas um século inteiro em termos das suas consequências, não apenas para o Brasil, mas para toda a América do Sul e também para o mundo” .

Woortmann alertou que, na forma atual, o texto “contradiz dispositivos constitucionais e tratados internacionais” e impõe “responsabilidade desta geração por um impacto negativo sem precedentes” .

Representando setores empresariais, Caio Magri, Diretor-Presidente do Instituto Ethos, defendeu o adiamento da votação:

“Estamos solicitando à Comissão de Meio Ambiente o envio de pedido de adiamento por 90 dias ao presidente da Câmara. É um desafio possível, que pode resultar num texto de consenso, construído com responsabilidade”

Do ponto de vista climático, Suely Araújo, do Observatório do Clima, lembrou que a proposta, em discussão há duas décadas, tornou‑se “a lei da não‑licença, com uma lista extensa de isenções e o autolicenciamento mediante compromisso” . Para ela, “é possível repensar isenções que fragilizam o instrumento e garantem impunidade a empreendimentos que ignoram impactos socioambientais” .

Representando os povos quilombolas do Pará, Miriane Coelho denunciou que o PL “ignora vidas e modos de ser que guardam a floresta há séculos” e defendeu que “sem consulta real, a licença, como está no projeto, é permissão para devastar o que ainda resta de nossa Amazônia” .

O secretário‑executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, João Paulo Capobianco, destacou um dos dispositivos sensíveis para a conservação do País referente à Mata Atlântica:

“Uma emenda do Senado altera a Lei da Mata Atlântica — fruto de 12 anos de tramitação e de um esforço brutal da sociedade — retirando a obrigatoriedade de anuência do Ibama para qualquer supressão de mata primária ou em estágio avançado de regeneração. Estamos falando de um bioma já reduzido ao mínimo, patrimônio nacional pela Constituição; e agora o órgão licenciador terá carta branca para propor desmatamento sem qualquer aval federal. Isso é inadmissível”

O debate também contou com a participação de Maurício Gretta, Diretor de política e direito da AVAAZ, que refutou críticas ideológicas ao posicionamento técnico-jurídico das entidades:

“Nossa posição não é meramente político‑ideológica. Baseia‑se na Constituição, em dezenas de decisões do STF, em acordos internacionais e em 50 anos de experiência prática no licenciamento ambiental”

Seguindo o histórico apresentado por Maurício Gretta, o licenciamento ambiental nasceu como um instrumento de saúde pública, concebido para frear os impactos devastadores da poluição sobre as populações. Ele recordou que, em Cubatão — então rotulada de “Vale da Morte” — os índices de câncer chegavam ao dobro da média nacional, as perdas gestacionais eram 21 vezes superiores e as crianças exibiam teores de mercúrio no sangue mais que três vezes acima do tolerado pela OMS . Foi diante desse quadro de calamidade sanitária que o país estruturou, há décadas, um procedimento capaz de antecipar riscos, estabelecer condicionantes e assegurar a participação social nas decisões, transformando o licenciamento em baluarte da saúde e da qualidade de vida.

Diante dos 40 dispositivos críticos apontados, técnicos, juristas e ativistas concordaram na necessidade de postergar a votação para incorporar ajustes que:

  • Restabeleçam padrões mínimos nacionais de licenciamento;
  • Assegurem a participação dos conselhos de meio ambiente em todas as fases;
  • Limitem o autolicenciamento a atividades de baixo potencial poluidor;
  • Garantam consulta prévia efetiva a povos indígenas e comunidades tradicionais.

    O apelo final foi unânime: o apelo por um relatório que reflita esses elementos antes do Projeto seguir ao plenário, evitando que a falsa modernização do licenciamento termine por inviabilizar a proteção socioambiental do país.

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