6º encontro dos Diálogos Setoriais para uma transição econômica verde sustentável no Setor de Reflorestamento

20/05/2025

O quinto seminário da série “Diálogos Setoriais para a Promoção de uma Economia Verde” focou nos desafios e oportunidades do setor de reflorestamento e regeneração florestal no Brasil, inserido no contexto do Plano de Transformação Ecológica do governo federal e na NDC – Contribuição Nacionalmente Determinada – apresentada pelo país no âmbito das COPs climáticas. O objetivo geral da série é produzir o engajamento dos diversos atores na discussão sobre a transição para uma economia verde – neutra em carbono, explorar oportunidades e esclarecer divergências.

O diálogo sobre Reflorestamento, promovido pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), em parceria com o Instituto de Estudos Avançados (IES/USP), representou a continuidade da série de diálogos para estimular e promover uma economia de baixo carbono, com compromissos climáticos e com uma ampla agenda de sustentabilidade. Com a mediação do presidente do IDS, Ricardo Young, e abertura dos trabalhos realizada por Marcos Bacelar, diretor do IEA/USP, o diálogo teve a participação de Thiago Belotti Silva (Diretor do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima), Cintia Caetano Carvalho (especialista em soluções baseadas na natureza) e Maurício Ruiz Castello Branco, cientista político e ambientalista, que foi Secretário de Meio Ambiente de Volta Redonda e fundador do Instituto Terra de Proteção Ambiental.

Na primeira parte do encontro cada convidado apresentou os desafios de sua área de atuação e as perspectivas e desafios: 

Thiago Belotti Silva – Mostrou os desafios e oportunidades da restauração da vegetação nativa no Brasil, com destaque para a importância da restauração ecológica e produtiva, para além da agenda climática, abraçando a biodiversidade e o combate à desertificação, além de gerar renda e emprego. Ele detalhou a cadeia produtiva da restauração, desde a coleta de sementes por comunidades tradicionais até os produtos finais, e apontou os gargalos legais (legislação de sementes), dificuldades para implementadores (gestão, captação de recursos) e a necessidade de políticas públicas e investimentos para negócios oriundos da restauração.

O diretor do Departamento de Florestas do MMA dividiu os desafios em três tipos:

  1. Recursos Financeiros: Existe uma oportunidade com o crescimento do mercado de carbono, mas o desafio é como fazer esses recursos chegarem a pequenos projetos. É preciso trazer mais recursos do setor financeiro, e as organizações precisam se adaptar a novas formas de financiamento (reembolsáveis), uma vez que estão muito habituadas a doações e capitais a fundo perdido. Apesar dos desafios, ele observou que o cenário está evoluindo com o surgimento de negócios ligados à restauração.
  2. Capital Humano e Organizações: O Brasil já avançou na formação de restauradores, mas o grande desafio atual é a assistência técnica para a restauração produtiva e a profissionalização das organizações que trabalham com restauração. Existem dois ecossistemas de restauração (grandes empresas de carbono e um ecossistema mais amplo com diversas organizações e comunidades). É crucial fortalecer o segundo, profissionalizando a gestão para que possam acessar mais recursos e gerar maior escala.
  3. Governança e Política Pública: As políticas públicas relacionadas à restauração precisam de maior integração e implementação efetiva. A governança deve ser fortalecida, aprendendo com o passado (enfraquecimento da Comissão Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa) e adotando uma abordagem “bottom-up”, com a participação das comunidades tradicionais no centro das decisões. A restauração pode gerar renda e empregos, sendo um dos papéis do governo garantir isso.

Cíntia Caetano Carvalho – A especialista ampliou a discussão focando no papel do mercado de carbono como ferramenta para financiar a restauração. Ela elogiou o compromisso do Brasil em relação à restauração florestal (6 milhões de hectares até 2030 e 24 milhões até 2050), que considera fundamental para alcançar a neutralidade climática. A restauração é essencial para sequestrar carbono da atmosfera, um serviço ambiental essencial para a segurança climática e para o cumprimento das metas de Paris.

Cíntia explicou que o mercado de carbono, tanto regulado quanto voluntário, pode ser eficiente para o setor privado, operando sob a lógica de oferta e demanda. O Brasil possui um marco regulatório para o mercado de carbono desde dezembro de 2024, o que representa uma oportunidade de aprender com experiências internacionais (como o mercado regulado europeu) e com o mercado voluntário já existente no Brasil.

Ela apontou desafios e oportunidades para o reflorestamento e a restauração no contexto do mercado de carbono:

  • Oportunidades Institucionais: Aprender com mercados mais maduros e aproveitar o conhecimento acumulado no mercado voluntário brasileiro.
  • Desafios Institucionais: Questões como o ordenamento territorial e a garantia da propriedade do carbono são cruciais para o funcionamento do mercado. Casos de grilagem de terras com projetos de carbono demonstram a necessidade de políticas de comando e controle robustas para garantir a integridade do mercado.
  • Financeiro: Criar novos produtos financeiros e fortalecer cadeias produtivas, formalizando a economia local (ex: na Amazônia) e atraindo investimentos de um setor financeiro interessado em sustentabilidade. O mercado de carbono pode catalisar esses investimentos.

Maurício Ruiz – O ativista ambiental desde a Rio 92 e com experiência prática em restauração florestal, compartilha sua perspectiva sobre a evolução do movimento ambientalista no Brasil e os desafios atuais para a implementação da restauração em larga escala, especialmente no contexto do mercado de carbono.

Ele descreve três fases do ambientalismo brasileiro:

  1. Criação do Arcabouço Legal (Década de 90): Foco na elaboração de leis para a preservação florestal, resultando no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), regulamentação do Código Florestal, Lei de Licenciamento Ambiental e Lei das Águas. O mercado de carbono surge como um novo elemento nesse arcabouço.
  2. Criação de Unidades de Conservação (Início dos anos 2000): Explosão na criação de áreas protegidas em decorrência da base legal estabelecida e do esforço da sociedade.
  3. Integração de Economia e Ecologia (Momento Atual): Desafio complexo de aproximar a economia da ecologia para viabilizar investimentos na recuperação do planeta, gerando trabalho e renda sem rupturas institucionais radicais. A necessidade de reformas econômicas que permitam a sobrevivência das pessoas enquanto se recupera o planeta degradado e se mantém o que está conservado é central.

Maurício Lorentz comenta sua experiência à frente de uma organização, o Instituto Terra, que atua em toda a cadeia da restauração, desde a definição de áreas prioritárias até o monitoramento e proteção, investindo significativamente em projetos de restauração florestal. Ele aponta os desafios práticos na implementação de projetos de larga escala, como o levantamento de áreas viáveis para contratos de longo prazo, especialmente em biomas complexos como o arco do desmatamento, e as dificuldades com a documentação de terras.

Ele também aponta para o potencial de inovação e redução de custos na cadeia, como o mercado de germoplasma e a utilização de plugues (plântulas pré-germinadas). A proteção das áreas restauradas é vital para o sucesso a longo prazo. Maurício diferencia reflorestamento (plantio de nativas) de flora e estamento (plantio de exóticas, como eucalipto), ressaltando a importância de direcionar monoculturas para áreas degradadas, e critica o plantio em áreas de Cerrado preservado.

Para avançar na restauração em larga escala, o especialista enfatiza a necessidade de uma forte participação do poder público, citando exemplos de programas governamentais bem-sucedidos em outros países (China, África Subsaariana, Coreia do Sul, EUA).

Um ponto essencial levantado por Maurício é a ineficácia na aplicação do Lorentz, apesar da existência do princípio poluidor pagador como base para diversas leis ambientais (Lei das Águas, Lei de Licenciamento Ambiental, Lei dos Royalties). Ele argumenta que bilhões de reais retidos em comitês de bacia, no Fundo Federal de Compensações Ambientais e provenientes de conversão de multas ambientais não estão chegando na ponta para financiar a restauração em larga escala sem depender exclusivamente da adicionalidade do mercado de carbono. Ele questiona por que, com tanto dinheiro disponível teoricamente, a aplicação do princípio conservador recebedor não se concretiza.

Mesmo com desafios, Maurício expressa otimismo em relação ao poder transformador da restauração florestal, capaz de inspirar e mudar a mentalidade das pessoas. Ele defende a união de economia e ecologia, com investimento público e privado, como o caminho para o sucesso, plantando não apenas árvores, mas também uma semente de conscientização. Ele conclui mencionando a importância da dimensão da religação e da conscientização das comunidades e da sociedade em geral para a efetividade a longo prazo da conservação.

Rodada de perguntas:

O presidente do IDS, Ricardo Young pergunta aos palestrantes sobre os principais entraves para o fluxo de financiamento prometido para a restauração, as ações públicas que têm impulsionado o mercado e acelerado a restauração (incluindo ações de fiscalização e regulamentação), e as ações específicas de Maurício que garantiram a convergência para a restauração em sua experiência.

Thiago Belotti Silva responde:

  • Enfatiza que a nova abordagem do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, que busca integrar a visão ambientalista com a do negócio, conectando a coleta de sementes ao produtor rural e aos diversos setores econômicos.
  • O plano possui metas de restauração (12 milhões de hectares), com eixos focados na implementação do Código Florestal, na geração de cadeias produtivas associadas à restauração e na restauração produtiva (conexão com silvicultura de nativas, carbono e sistemas agroflorestais).
  • Destaca a integração da política de restauração com a de combate ao desmatamento, incentivando empresas compradoras de commodities a adquirir de áreas não desmatadas ou em recuperação.
  • Apresenta iniciativas governamentais como o leilão Programa Eco Invest Brasil para reabilitação de áreas degradadas, com recursos reembolsáveis para silvicultura nativa, restauração ecológica para carbono, restauração produtiva e melhoramento de pastagens e culturas.
  • Cita o Restaura Amazônia (BNDES) com recursos reembolsáveis e não reembolsáveis para restaurar o arco do desmatamento, incluindo ações em assentamentos rurais com sistemas produtivos florestais e produção de alimentos.
  • Aponta o Fundo Biomas Crescer (Fundo Amazônia para outros biomas) para fortalecer cadeias produtivas com recursos não reembolsáveis e a necessidade de reciprocidade entre o setor privado e o governo.

Cíntia Caetano Carvalho responde:

  • Aponta o mercado de carbono como ferramenta para investimento com dividendos e integração, conectando oferta e demanda.
  • Ressalta a necessidade de organizar a demanda por outros serviços ecossistêmicos além do carbono (ex: biodiversidade).
  • Enfatiza a importância de uma teoria de mudança de longo prazo em projetos de carbono, respeitando a população local e garantindo a sucessão dos projetos.
  • Ilustra problemas de continuidade e dá como um exemplo de projeto de reflorestamento com frutíferas em assentamento do Incra que falhou devido à mudança de liderança e priorização da pastagem.
  • Defende a necessidade de atrair “capital paciente” para projetos de restauração, com modelos de pagamento diferenciados e mecanismos para mitigar riscos de descontinuidade.
  • Sugere o envolvimento de seguradoras como novos atores, considerando seus potenciais prejuízos com a crise climática.
  • Conclui que o mercado de carbono no Brasil precisa facilitar a inclusão de projetos de reflorestamento na oferta de créditos, incentivando o agro a restaurar suas áreas de preservação e reservas legais.

Maurício Ruiz responde:

  • Sugere que a sociedade civil pode contribuir com sugestões responsáveis para  a efetividade das ações.
  • Propõe a unificação dos esforços e recursos financeiros para a restauração, atualmente dispersos em diversas “caixinhas” (comitês de bacia, fundos de compensação ambiental, etc.) a nível federal, para viabilizar recursos vultuosos a fundo perdido.
  • Relata sua experiência como Secretário de Meio Ambiente, ao utilizar mecanismos como diálogo com empresas para medidas compensatórias e conversão de multas ambientais em serviços ou recursos para a recuperação.
  • Defende um pacto nacional para unificar esses esforços e aplicar efetivamente o princípio conservador recebedor.
  • Enfatiza que a restauração e o reflorestamento (monoculturas) não são excludentes, mas complementares, e que a restauração pode se beneficiar operacionalmente do reflorestamento com câmbio de tecnologias (uso de máquinas, técnicas de produção, fomento florestal).
  • Apela para que o setor de reflorestamento ensine suas práticas de larga escala à restauração.
  • Do ponto de vista institucional, clama por segurança jurídica para os implementadores de projetos de restauração, especialmente em relação à fiscalização e ao uso de insumos necessários (adubos, herbicidas) para o sucesso dos projetos, citando a falta de um instrumento legal claro para essa finalidade.
  • Conclui que o Estado precisa se preparar para dar essa segurança jurídica e apoiar a restauração em larga escala.

Conclusões

Há uma identidade de valores e princípios, mas falta uma integração metodológica para a ampliação dos projetos de regeneração florestal em larga escala. Um dos fatores impeditivos é a propriedade da terra, sendo que nem sempre a área disponível para a implementação de projetos está disponível para isso. É preciso fortalecer uma diretriz de direcionamento de atividades agropecuárias para territórios já degradados, sem a necessidade de avançar por novas fronteiras.

O princípio restaurador recebedor já é uma realidade em algumas áreas da preservação ambiental, especialmente em água e licenciamentos. No entanto, os recursos de multas e compensações não chegam em volume adequado aos projetos de regeneração florestal.

O mercado de carbono é importante, mas não o suficiente. É preciso ampliar os mecanismos de financiamento de projetos de regeneração, mas não apenas em grandes áreas, prevendo-se, também, o apoio a iniciativas sociais, de comunidades e de poderes públicos locais.

A insegurança jurídica dos projetos também é apontada como um fator que pode ser limitante à ampliação de áreas.

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