É preciso rever a legislação ambiental?

09/10/2020

Ou precisamos rever o Ministro do Meio Ambiente? Apesar disso, a boiada segue passando..

Por Aline Souza – jornalista e comunicadora do IDS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Na tarde de quinta-feira, dia 8 de outubro, o vice-presidente do IDS João Paulo Cabobianco aceitou o convite da rádio Jovem Pan para participar do quadro de debates “Quem tem razão?” transmitido pelo Youtube. O programa fazia uma pergunta: É preciso rever a legislação ambiental? 

O convite foi aceito com boa receptividade, pois uma das missões do IDS como organização da sociedade civil que atua no campo socioambiental é informar as pessoas e trazer para o diálogo os dados e as análises que ancoram o debate no campo político. Infelizmente essa não é a tônica que rege o governo federal, pois como sabemos a escolha da gestão (ou da falta de) é negar os fatos, os dados científicos e desmontar toda a estrutura de política pública ambiental que já vinha sendo feita há alguns anos demonstrando resultados positivos no combate ao desmatamento, à grilagem de terra pública, na proteção das comunidades tradicionais e dos povos indígenas. Sim, é verdade que temos ainda muito que avançar e melhorar nesse âmbito da legislação ambiental. O Brasil é reconhecido como um país que tem uma das melhores legislações ambientais do mundo, já tivemos um papel de destaque nas negociações internacionais do clima. Hoje em dia, no entanto, há muita preocupação por parte de setores econômicos e ambientais internacional com as decisões nacionais que estão sendo tomadas na ocupação de Ricardo Salles à frente do ministério do Meio Ambiente.

O debate iniciou abordando a recém revogação de Salles às leis de proteção ambiental para manguezais e restingas no Brasil, algo que nos fez retroceder a um período colonial. A primeira norma protegendo estas áreas data de 4 de fevereiro de 1577, editada pela Coroa Portuguesa, com o objetivo de preservar o bioma para garantir o acesso à casca de árvores do mangue, matéria-prima para o tanino utilizado no tratamento de couro (BBC Brasil). Até nossos colonizadores portugueses sabiam da importância de se manter o equilíbrio ambiental, conceito inexistente à época

A reunião onde essa decisão foi tomada aconteceu quase que a portas fechadas, uma vez que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) foi esvaziado completamente ano passado, quando o governo Bolsonaro reduziu de 96 para 23 o número de membros, sendo retirado dele a participação da sociedade civil – cujos assentos no Conselho passaram de 23 para quatro. Atualmente o governo federal e o setor privado passaram a compor a maioria do colegiado.

Anunciada às vésperas de acontecer, a reunião foi realizada sem nenhuma transparência devida ou debate público qualificado em torno das decisões e não teve o contraponto necessário para impedir que tal retrocesso se instaurasse uma vez que o Conama está completamente aparelhado para atender aos interesses mercadológicos da especulação imobiliária e aos lucros desses empresários do ramo. A medida atende principalmente o setor imobiliário no litoral do Rio Grande do Norte. Essa parece ser a grande missão no ministro Salles, que, aliás, foi condenado por improbidade administrativa por fraudar processo do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê, quando foi secretário estadual de São Paulo no governo de Geraldo Alckmin (PSDB). À época ele agiu na maior cara de pau para beneficiar setores econômicos, notadamente a mineração, e algumas empresas ligadas à Fiesp [Federação das Indústrias de São Paulo].  

Na mesma reunião Salles aprovou ainda uma nova resolução que permite a queima de resíduos de poluentes orgânicos persistentes – como pesticidas, inseticidas e fungicidas usados na agricultura – em fornos de produção de cimento. Como explica a jornalista da Folha de São Paulo, Ana Carolina Amaral, esses poluentes são altamente tóxicos, persistentes no ambiente e bioacumulativos (ou seja, não são eliminados pelo nosso organismo), estão ligados a disfunções hormonais, imunológicas, neurológicas e reprodutivas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, sua queima não-controlada, sob temperatura inadequada ou com combustão incompleta pode gerar subprodutos ainda mais tóxicos. Ainda bem que a juíza federal Maria Amelia Almeida Senos de Carvalho, da 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro, decidiu por suspender na noite do dia 29 de setembro os efeitos da reunião do Conama. Ufa!

Perante tantos dispartes do “ministro sinistro”, Capobianco foi obrigado a declarar no debate que “Salles é o maior antipatriota que já ocupou cargo público na história do Brasil”. Um governo que ignora o fato de que suas ações e declarações públicas incentivam os crimes ambientais e o desmatamento age de modo irresponsável. Em nove meses, as queimadas no Pantanal consumiram quase 3,3 milhões de hectares de vegetação, uma área correspondente a 22% de todo o território do bioma, segundo dados do INPE

Enquanto isso, militares usam verba da proteção da Amazônia para reformar quartéis. Dinheiro que deveria estar sendo efetivamente gasto para conter o desmatamento e as queimadas na Amazônia está sendo utilizado para a compra de latas de tinta, portas e janelas, troca de telhados, instalações elétricas, entre outros itens que pouco ou nada têm a ver com a proteção do meio ambiente, como alerta a Revista Piauí.

Sem contar que essa política ambiental desastrosa está provocando a fuga de investidores internacionais do Brasil, o que favorece ainda mais o empobrecimento do país em plena pandemia de Covid 19, quando o mundo todo está preocupado com uma retomada econômica que seja sustentável e inclusiva.  O IDS inclusive, junto com outras 11 organizações da sociedade civil, elaborou 9 propostas para seguir nesse caminho de recuperação por meio de uma economia verde que valoriza a vida humana. 

#EstáFaltandoVerde

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O discurso na ONU de Jair no dia 22 de setembro foi o passaporte para saída de investidores internacionais e o cancelamento de acordos comerciais com países parceiros, com retirada de investimentos em volume inédito nas últimas décadas. Entre janeiro e agosto, US$ 15,2 bilhões deixaram o país, de acordo com dados do Banco Central. Por um lado, a crise econômica causada pela pandemia e as incertezas sobre a capacidade de recuperação do país ajudam a explicar essa fuga de capitais da economia brasileira. Por outro, com o mau humor dos investidores com relação à devastação ambiental no país, a expectativa é de que esse quadro se agrave ainda mais. (ClimaInfo).

João Paulo Capobianco, que também é doutor em Ciência Ambiental pela USP e foi secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente (2003-2008), vem comentando esses e outros assuntos na TV Democracia, no programa Econexão junto com a jornalista da Folha de São Paulo Ana Carolina Amaral, que escreve no Blog Ambiência do jornal. 

Saiba mais: 

Tolerância Zero com a Verdade – artigo Correio Braziliense – João Paulo Capobianco

Para conhecer a real situação ambiental do Brasil, assista Audiência Pública do STF em 21 de setembro de 2020 sobre o Desmonte Ambiental no Brasil.

Já alertamos sobre essa problemática em outras ocasiões aqui em nosso site:

Desmonte ambiental chega ao STF

Urgência econômica pede sustentabilidade para a Reforma Tributária

"De impeachment ministerial à Reforma Tributária verde, debate ambiental segue intenso no Parlamento"

Não podemos tratar os dados de desmatamento como Bolsa de Valores

Ação conjunta no TCU pede conclusão da auditoria nas políticas de combate ao desmatamento e queimadas do governo Bolsonaro

**********************************************

Acompanhe o Twitter do IDS

Leia o Blog Mais democracia, Mais Sustentabilidade

 

Outras Fontes:

 

O GLOBOBrasil vive fuga recorde de investidores estrangeiros e questão ambiental pode piorar o quadro

Revista Fórum: Salles é o maior antipatriota que o Brasil já viu

BBC500 anos de retrocesso em uma canetada

 

 

 

Parceiros