Agenda Socioambiental:Avanços e Obstáculos pós Rio-92

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Agenda Socioambiental: Avanços e Obstáculos pós Rio-92 Ao longo das últimas décadas, o Brasil adotou e Desenvolvimento, a Rio-92. leis e políticas socioambientais incluídas entre A nova Constituição possibilitou ao País ajustar as mais avançadas do mundo, fato que o a concepção de desenvolvimento à sua realidade, projetou internacionalmente como uma nação fortalecendo a gestão ambiental no âmbito das democrática, capaz de exercer liderança em políticas de desenvolvimento econômico ao assuntos como conservação e uso sustentável mesmo tempo em que valorizava sua riqueza de florestas tropicais e mudanças climáticas. A biológica e diversidade cultural como bases para aprovação da Lei 4.771/65, que modernizou o a construção de uma democracia com ampla Código Florestal brasileiro, e da Lei 6.938/81 participação social (veja o box “Principais avanços – que, ao instituir a Política Nacional do Meio socioambientais trazidos pela Constituição de Ambiente, criou o Sistema Nacional do Meio 1988”, abaixo). Sua promulgação, em outubro de Ambiente (Sisnama) e o Conselho Nacional 1988, inaugurou um período de intenso debate do Meio Ambiente –, foram marcos históricos no Legislativo federal, visando dar efetividade às desse processo, que ganhou força a partir da mudanças trazidas pelo texto e concretude aos aprovação da Constituição Federal de 1988 compromissos assumidos perante a comunidade e da adesão do Brasil aos acordos aprovados internacional (veja o box “Os documentos interna Conferência da ONU sobre Meio Ambiente nacionais da Rio-92”, na página 3).

Principais avanços socioambientais trazidos pela Constituição de 1988 • A inclusão dos artigos 170 e 186 na carta constitucional consolidou o conceito de função socioambiental da terra e da propriedade no contexto da ordem econômica e da política agrícola; • O artigo 225 estabeleceu o direito de todos “ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, balizando a formulação de várias normas atuais; • Os artigos 231 e 232 reconheceram os direitos dos povos indígenas de viverem em suas terras tradicionais, segundo seus usos e costumes, e a ingressarem em juízo em defesa de seus interesses; • O artigo 68, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, determinou ao Estado que reconhecesse a propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes de comunidades de quilombos, por meio da emissão dos títulos respectivos.

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Os documentos internacionais da Rio-92 Considerada um marco na promoção de políticas de desenvolvimento sustentável, a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento resultou em um conjunto de documentos que se tornaram referência para a formulação de normas e políticas públicas no Brasil e no mundo. São eles: • Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento: contém princípios para as políticas e a legislação dos países; • Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB): criada com o intuito de promover a conservação da biodiversidade, seu uso sustentável e a repartição justa e equitativa dos benefícios obtidos por tal utilização; • Declaração de Princípios para um Consenso Global sobre Manejo, Conservação e Desenvolvimento Sustentável de Todos os Tipos de Florestas (“Declaração de Princípios das Florestas”): apresenta princípios relacionados ao manejo e à conservação das florestas sob um enfoque global; • Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas (Convenção do Clima): reconhece o papel das atividades humanas nas mudanças do clima e, por isso, propõe ações que estabilizem os gases de efeito estufa em níveis compatíveis com a manutenção da vida no planeta; • Agenda 21: trata-se de amplo plano de ação, abordando temas que vão de biodiversidade e recursos hídricos a problemas de educação e habitação, voltado para a promoção do desenvolvimento sustentável em todos os países.

Estruturação da política socioambiental demandou duas décadas de ações e investimentos do Governo A construção dessa nova legislação e das políticas públicas formuladas para introduzir premissas do desenvolvimento sustentável no modelo econômico brasileiro teve o Poder Executivo como ator de destaque, operando em diferentes momentos e espaços políticos. Com o apoio da cooperação internacional, o governo brasileiro dedicou esforços à elaboração de programas e planos para dar respostas a problemas ambientais persistentes, como a fragilidade do licenciamento ambiental, a proteção aos biomas brasileiros, a gestão dos recursos hídricos e as elevadas taxas de desmatamento na Amazônia – este, um desafio histórico desde o fim do regime militar, cuja persistência manchava a reputação do País internacionalmente. Investimentos feitos no fortalecimento do Ministério do Meio Ambiente e de seus órgãos vinculados, ainda que insuficientes, permitiram o gradual aprimoramento de suas capacidades técnicas visando a execução das responsabilidades que lhes cabem no âmbito da gestão do meio ambiente.

No âmbito legislativo, projetos como o da Lei de Crimes Ambientais e da Lei de Gestão de Florestas Públicas foram encaminhados por iniciativa do Executivo e defendidos por seus representantes nos debates travados no Congresso Nacional. Em situações críticas, seus prepostos – especialmente os titulares do Ministério do Meio Ambiente – atuaram de forma decisiva para impedir que setores econômicos retrógrados, como a bancada ruralista, descaracterizassem propostas democraticamente construídas favoráveis ao desenvolvimento sustentável – caso da Lei 11.428/2007 (Lei da Mata Atlântica), cuja tramitação levou 14 anos no Congresso, mas contou com uma atuação firme do Executivo nesse período, com a publicação de normas infralegais (veja o box “A atual legislação socioambiental brasileira”, na página 5). Ao mesmo tempo, o debate público e a participação social foram crescentemente valorizados no processo de regulamentação de leis e na formulação de políticas sobre temas conflituosos, por meio de audiências 3


públicas e debates no Conama e em outros colegiados legalmente constituídos. Propostas importantes saíram desses processos – caso, entre outros, da MP 2166-67 de 2000 (Código Florestal), que, a partir de uma proposta do Conama, foi objeto de 25 audiências públicas em 20 estados do País, das quais participaram cerca de 750 instituições, e do Decreto 6.290/2007 (Plano BR-163 Sustentável), que passou por 16 consultas públicas na região, envolvendo setor público, empresários, trabalhadores rurais e populações indígenas. Entre 1995 e 2010, os governos FHC e Lula, juntos, realizaram a proeza de demarcar 60 milhões de hectares de terras indígenas em todo o País e criar 48,3 milhões de hectares de unidades de conservação em todos os biomas brasileiros. Nesse ínterim, o Ministério do Meio Ambiente adotou medidas visando a criação de uma política ambiental integrada e o fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), de forma a promover o compartilhamento e a descentralização das responsabilidades pela gestão ambiental entre União, estados e municípios, segundo o princípio da “transversalidade”. Esforços foram feitos, também, para incrementar o controle e a participação social na gestão das políticas sociais e ambientais no País. Como parte do cumprimento dos acordos da Rio92, o Brasil elaborou, entre 1997 e 2002, a Agenda 21 Brasileira, após longo processo participativo que

acolheu mais de 4.000 emendas em 26 audiências públicas nos estados, seminários regionais e setoriais, resultando em um plano de 21 conjuntos de diretrizes, programas e iniciativas de políticas públicas para promover a transição ao desenvolvimento sustentável no País. Infelizmente, desde o início de 2011 percebe-se a falta de apoio político e institucional do Governo para o fomento de Agendas 21 locais e para o uso da Agenda 21 brasileira como referência ao planejamento público, além do abandono da CPDS – Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável, criada em 1997 e ampliada no início do mandato do expresidente Lula. A decisão de investir na elaboração e implantação de um ambicioso plano de combate ao desmatamento na Amazônia, que a partir de 2006 reduziu a taxa anual oficial aos patamares mais baixos da história, constituiu um dos pontos altos da ação governamental no âmbito federal (veja o box abaixo “Em sete anos, Plano reduziu desmatamento na Amazônia em 77%”). Em suma, os avanços acumulados na estruturação da gestão do meio ambiente nesse período possibilitaram ao Brasil se converter no primeiro país em desenvolvimento a apresentar metas de redução de emissão de carbono, contribuindo de forma decisiva para nos colocar numa situação de liderança internacional no plano socioambiental.

Em sete anos, Plano reduziu desmatamento na Amazônia em 77% • Reduzir e controlar as taxas de desmatamento da floresta amazônica tem sido um dos maiores desafios enfrentados pelo governo brasileiro na agenda socioambiental. Até 2003, as medidas adotadas para enfrentar suas causas eram isoladas e parciais, gerando resultados satisfatórios apenas no curto prazo. A formulação e implementação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal (PPCDAm) encerrou esse ciclo. • Implementado a partir de 2005, o PPCDAm foi elaborado para conter a persistente elevação da taxa de desmatamento na Amazônia registrada entre 2002 e 2004. Valendo-se de experiências e conhecimentos acumulados em mais de uma década, o Plano articulou, de forma inédita, ações de monitoramento, ordenamento territorial, repressão à apropriação ilegal de terras públicas e incentivo a usos sustentáveis dos recursos naturais em uma área de 5 milhões km2, penalizando, ainda, diretamente os setores econômicos identificados como responsáveis pelo aumento do corte ilegal da cobertura florestal. Sua execução mobiliza mais de uma dezena de ministérios e agências governamentais, bem como estados e municípios da região. • As medidas adotadas resultaram em reduções consistentes na taxa anual de desmatamento, de 27,7 mil km2, em 2004, para 6,2 mil km2, em 2011, possibilitando que fossem atingidos os patamares mais baixos da série histórica, iniciada em 1988. No entanto, a atual gestão tem como desafio reduzir o patamar atual, de cerca de 6 mil km2 ao ano, para menos de 3 mil km2 até 2015, visando o “desmatamento ilegal zero” antes de 2020, conforme objetivos definidos pelo próprio governo brasileiro.

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A atual legislação socioambiental brasileira • Medida Provisória 1.511, de 25 de julho de 1996: editada para fazer frente ao crescimento do desmatamento na Amazônia, que em 1995 bateu o recorde de 2,9 milhões de hectares; • Medida Provisória 2.166-67, de 24 de agosto de 2000: assinada pelo então presidente

Fernando Henrique Cardoso, alterou artigos do Código Florestal em vigor na época. Foi feita a partir de proposta do Conama após audiências públicas em todo o País e contou com a participação de mais de 750 instituições;

• Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997: instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, que

reconhece a água como bem de domínio público, estabelecendo competência da União para definir critérios de concessão de direitos para o uso desse recurso;

• Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998: dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente; • Lei 9.795, de 27 de abril de 1999: instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental, que

incumbe o poder público a definir políticas que promovam a educação ambiental em todos os níveis de ensino;

• Lei 9.985, de 23 de junho de 2000: cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da

Natureza (Snuc), cujos dispositivos dão ao poder público instrumentos fundamentais para ordenar a ocupação do território, assegurar a proteção às comunidades extrativistas e disciplinar a conservação e o manejo da biodiversidade e dos recursos naturais;

• Lei 10.257, de 10 de julho de 2001: institui o Estatuto das Cidades, estabelecendo diretrizes para

ordenar a política urbana no País. Introduz a democratização de decisões sobre planejamento e uso do espaço e o uso de preceitos da sustentabilidade socioambiental para cidades. Obriga municípios com mais de 20 mil habitantes a formular planos diretores;

• Lei 10.650, de 16 de abril de 2003: Lei de Acesso a Informações Ambientais, faculta aos cidadãos

o acesso a informações ambientais existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sisnama, conferindo transparência ao processo de licenciamento ambiental;

• Lei 11.284, de 2 de março de 2006: conhecida como Lei de Gestão de Florestas Públicas,

promove a valorização econômica de florestas públicas por meio da destinação de parcelas previamente definidas à exploração, segundo regras de manejo sustentável;

• Lei 11.428, de 22 de dezembro de 2006: institui a Lei da Mata Atlântica, antiga reivindicação de setores da sociedade, regulando a utilização e proteção das diferentes formas de vegetação que compõem o bioma, um dos mais biodiversos e, ao mesmo tempo, mais degradados do planeta;

• Lei 11.445, de janeiro de 2007: estabelece diretrizes para a política federal de saneamento básico, determinando ao poder público a elaboração de planos visando universalizar o acesso dos brasileiros a esse serviço; • Lei 11.516, de 28 de agosto de 2007: cria, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, o Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que passa a ser responsável pelas ações da política nacional de unidades de conservação da natureza;

• Lei 12.187, de 29 de dezembro de 2009: cria a Política Nacional sobre Mudança do Clima, estabelecendo princípios, diretrizes e objetivos, em consonância com compromissos assumidos pelo Brasil na Convenção do Clima, Protocolo de Quioto, entre outros que o País venha a assumir;

• Lei 12.305, de 3 de agosto de 2010: primeiro marco legal a abordar o tema no Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos adota princípios de sustentabilidade e do direito socioambiental para guiar a política nacional para o setor, tratando de temas como incineração, coleta seletiva e logística reversa.

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Brasil na contramão do desenvolvimento sustentável: o desmonte da agenda socioambiental A tendência de aprimoramento contínuo nas políticas de desenvolvimento sustentável no País, em implementação desde 1988, tendo o Executivo federal como um protagonista-chave, foi abruptamente interrompida pelo atual governo. Inspirada por uma concepção atrasada de desenvolvimento – que reduz o conceito de desenvolvimento sustentável ao binômio “crescimento econômico-combate à miséria” –, a gestão da presidente Dilma Rousseff promoveu, em apenas 18 meses de governo, o maior retrocesso da agenda socioambiental desde o final da ditadura militar, desmantelando aos poucos a legislação vigente, ao mesmo tempo em que debilita, técnica e politicamente, os órgãos responsáveis por sua implementação. Contrariando compromissos assumidos durante a campanha presidencial, a presidente da República vem liderando um gradual desmonte da agenda socioambiental construída pelos governos anteriores, seja por sua omissão diante de iniciativas contra a legislação em vigor, promovida por setores econômicos que prosperam à custa da degradação ambiental e da violência no campo, como a bancada ruralista, seja por um protagonismo negativo, através da adoção de medidas no âmbito do Executivo

federal e da proposição de projetos legislativos que enfraquecem a gestão ambiental no País. Além de debilitar o processo de licenciamento ambiental, iniciativas provenientes da presidência da República visam claramente restringir os espaços de participação pública e controle social no âmbito da gestão do meio ambiente, de forma a facilitar e acelerar a execução de projetos econômicos com alto potencial de degradação ambiental e conflitos sociais. Esse quadro é agravado pela inércia e submissão do atual Ministério do Meio Ambiente – o mais despreparado para executar suas responsabilidades institucionais desde a sua criação, em 1992, no contexto da Rio92. A pasta tem acatado silentemente a fragilização do Conama e a redução dos poderes do Ibama na fiscalização e no licenciamento. Assim, o pior cenário previsto em março – em um manifesto amplamente divulgado por um grupo de entidades representativas do campo socioambiental, alertando a opinião pública para os riscos de um retrocesso sem precedentes na área socioambiental – se confirmou. Os fatos e evidências coletados desde o início do atual governo revelam que, hoje, a agenda socioambiental passou a ser tratada de forma burocrática, periférica e figurativa.

Retrocessos promovidos pelo atual governo • Descaracterização do Código Florestal O novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) foi aprovado pelo Congresso Nacional com participação expressiva da base parlamentar governista, fragilizando excessivamente os princípios de proteção ambiental assegurados desde 1965 pela Lei 4.771, um marco positivo na legislação ambiental brasileira. Apesar da forte campanha da sociedade civil, encampada pelo Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, com mobilizações públicas em várias partes do País e mais de dois milhões de assinaturas demandando o veto total à

nova lei, o texto foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff com vetos apenas superficiais. A omissão do Executivo foi agravada pela edição da Medida Provisória 571, uma estratégia clara da presidente para minimizar críticas no contexto da Rio+20, devolvendo o assunto ao Congresso Nacional. Porém, a comissão mista que aprecia a MP 571 é composta majoritariamente por parlamentares da bancada ruralista, a maioria indicada por partidos da própria base do governo; o texto da MP já conta com mais de 650 emendas, com o propósito de descaracterizar ainda mais a lei. 6


Principais retrocessos do novo Código Florestal • Reduz entre 50% e 80% a obrigação de recompor matas ciliares e vegetação de proteção de nascentes desmatadas ilegalmente até julho de 2008 (que desde 1998 constituía crime ambiental), contrariando recomendação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e da Academia Brasileira de Ciências; • Desprotege cerca de 400 mil km2 de áreas úmidas na Amazônia, em função da alteração na forma de

cálculo das áreas de preservação permanente;

• Anistia ocupações agropecuárias em regiões ecologicamente sensíveis e vulneráveis, como os topos de morro, bordas de chapadas, terrenos com alta declividade e margens de rios; • Anistia (desobriga) a recomposição de reserva legal em imóveis com até quatro módulos fiscais,

desincentivando a recuperação e a conservação de florestas em mais de 90% dos imóveis existentes no Brasil;

• Anistia ocupações em manguezais, berçários da cadeia biológica marinha, ocorridas até julho de 2008 e permite novas ocupações em mais 35% dos manguezais localizados na Mata Atlântica e 10% na Amazônia, beneficiando o cultivo de camarões nessas áreas;

• Veto ao dispositivo, aprovado pela Câmara e pelo Senado, que determinava investimentos do setor

energético para apoiar a recomposição de áreas de preservação permanente.

• Redução de unidades de conservação O governo atual criou grave precedente ao reduzir, com uma única canetada, oito unidades de conservação na Amazônia por meio da Medida Provisória 558/2012, contando com o apoio do próprio Ministério do Meio Ambiente, a quem cabe gerir e defender essas áreas. Essa medida, que atende demandas de empresas mineradoras e a construção de usinas hidrelétricas na região, dispensou o debate público em instâncias legais, pautado por estudos e consultas públicas transparentes. A medida contraria frontalmente a Lei do SNUC, que demanda a aprovação de lei ordinária para a redução ou desafetação de unidades de conservação e inaugura metodologia condenável de redução de áreas protegidas, em rito sumário, por motivo de relevância e urgência. A recente criação de unidades de conservação altera pouco essa realidade, por ser medida insuficiente, na tentativa frustrada de responder às críticas da sociedade (veja o box “Pacote verde pré-Rio+20 não muda atual rumo da política ambiental”, na página 9).

• Fragilização do Conama e do poder de fiscalização do Ibama No final de 2011, foi aprovada a Lei Complementar 140, regulamentando as competências dos órgãos responsáveis pela gestão ambiental. Ao criar a figura da Comissão Tripartite – que, inclusive, dispensa a participação direta de representantes da sociedade civil –, essa lei fragiliza o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), maior colegiado democrático do País, cujo funcionamento confere transparência e assegura participação direta da sociedade brasileira na definição da política nacional de meio ambiente. Mais grave ainda é o enfraquecimento da fiscalização federal dos desmatamentos, pois a lei define que ações desenvolvidas pelos órgãos estaduais ambientais se sobrepõem à atuação do órgão federal. Essa medida fragiliza o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), que teve a forte atuação do Ibama como uma das razões de seu sucesso na redução de mais de 75% do desmatamento nos últimos anos. A partir da nova lei, a ação do órgão federal no controle do desmatamento passou a ser supletiva e suas autuações, multas, embargos ou apreensões ficam sujeitas à anulação no caso de posterior intervenção estadual. 7


• Atropelos no licenciamento Mais do que omitir-se diante dos ataques à floresta, o governo federal vem atropelando as regras de licenciamento ambiental, que visam organizar a expansão dos projetos de infraestrutura no Brasil. Diferente do tratamento dado ao licenciamento da BR 163 num passado recente, quando o governo construiu junto com a sociedade um Plano de Desenvolvimento Sustentável da região de abrangência da obra, o licenciamento da Hidrelétrica de Belo Monte é marcado pelo desprezo às regras, às condicionantes ambientais e à necessidade de consulta às populações indígenas afetadas. Esse novo modus operandi vem se tornando prática rotineira, ameaçando a integridade da região amazônica, onde se pretende instalar mais de 60 grandes hidrelétricas e 170 hidrelétricas menores. O conjunto de grandes e pequenas hidrelétricas provocará não só mais desmatamento associado à migração e especulação de terras como, ao alterar o regime dos rios da região, afetará de forma irreversível populações indígenas e comunidades locais.

• Paralisia na agenda de mudanças climáticas Entre 2005 e 2010 o Brasil vinha dando passos decisivos para avançar na agenda de enfrentamento das mudanças climáticas, no cenário nacional e internacional. Esse esforço culminou, em 2009, com a acertada definição de metas para redução de gases de efeito estufa incorporadas na Lei da Política Nacional de Mudanças Climáticas que pautaram a virada de posição das economias emergentes. A regulamentação da lei em 2010 determinou a construção dos planos setoriais de redução de emissões em 2011. Porém, o que se viu em 2011 foi uma forte retração da agenda, e nenhum dos planos setoriais previstos para serem desenvolvidos no primeiro ano do governo federal foi finalizado e sequer passou por qualquer tipo de consulta pública.

• Lentidão na mobilidade urbana A agenda socioambiental é deficitária até nas áreas apontadas pelo governo como prioritárias, como a construção de obras de infraestrutura. O PAC da Copa, lançado em 2009, prevê investimentos de R$ 11,8 bilhões em melhoria da mobilidade urbana, mas só foram efetivamente gastos 10%. Já é de conhecimento público que os sistemas metroviários não estarão em operação em 2014 devido ao atraso no anúncio das obras beneficiadas, que só ocorreu nos últimos meses.

• Lentidão no saneamento Os investimentos em saneamento também andaram mais devagar do que fazia crer a intensa propaganda eleitoral. Com um orçamento inicial de R$ 3,5 bilhões, o governo investiu efetivamente apenas R$ 1,9 bilhão, valor 21% menor que em 2010. A liberação de recursos pela Caixa Econômica Federal também deixou a desejar (R$ 2,3 bilhões até novembro, apenas 25% do contratado). Peça fundamental de uma estratégia de redução da poluição de nossas águas, o saneamento básico no Brasil tem números vergonhosos: apenas 44,5% da população brasileira está conectada a redes de esgotos. Do esgoto coletado, somente cerca de 38% é tratado, o que significa que mais de 80% do esgoto produzido no Brasil é despejado na natureza.

• Investimento em energia suja Enquanto o mundo assiste a uma corrida tecnológica pela busca dos substitutos aos combustíveis fósseis, o Brasil atua na direção contrária. Por um lado, planeja destinar 70% de todo o recurso previsto para o setor de energia entre 2011 e 2020 (R$ 686 bilhões) para a exploração de petróleo e gás. Por outro, atua de forma a inviabilizar a produção do álcool, combustível renovável genuinamente brasileiro, ao manter o preço da gasolina em valores artificialmente baixos por meio de subsídios não declarados. Essas são escolhas que podem se revelar desastrosas do ponto de vista estratégico, justo quando a iminência de um desastre climático empurra o mundo a discutir alternativas ao petróleo. O país que inovou na crise do petróleo na década de 1970, quando iniciou o programa de substituição da gasolina pelo álcool, hoje faz importações recordes de etanol de milho dos Estados Unidos. Não faz mais sentido o Brasil investir pesadamente em fontes sujas de energia, perdendo a oportunidade de assegurar a nossa autonomia energética de maneira ambientalmente correta e de forma economicamente viável. 8


Pacote verde pré Rio+20 não muda atual rumo da política ambiental Em meio à repercussão negativa causada pelo descaracterização do Código Florestal e às vésperas da Rio+20, a presidente Dilma Rousseff anunciou no dia 5 de junho uma série de medidas positivas para a agenda socioambiental. As medidas incluíram a homologação de sete terras indígenas, a instituição da Política Nacional de Gestão Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI) e outras decisões favoráveis aos povos indígenas. Incluíram, ainda, a implementação de decisões da Convenção da Diversidade Biológica, a criação de duas unidades de conservação e a ampliação de três outras unidades já existentes, num total de 45 mil hectares. Boa parte dessas medidas, no entanto, aguardava há mais de um ano a assinatura da presidente. Embora as decisões anunciadas respondam positivamente às críticas feitas pelo movimento socioambientalista, são bastante tímidas e não anulam a fragilização da legislação promovida pelo governo atual. Tampouco podem ser vistas, ao menos por enquanto, como sinais de mudança efetiva no rumo das políticas de gestão ambiental no País.

Mobilização permanente frente às ameaças à agenda socioambiental Os ataques às conquistas socioambientais, liderados ou consentidos pelo governo atual, têm criado um ambiente político propício para que outros projetos de alteração na legislação prosperem – vários, inclusive, já em discussão no Congresso, atendendo claramente a demanda de setores econômicos conservadores. Exemplo disso é a Proposta de Emenda Constitucional nº 215/2000, que visa dificultar a criação de novas unidades de conservação e o reconhecimento de terras indígenas, aprovada em março deste ano por ampla maioria. Ao todo, foram 38 votos a favor e dois contra na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, onde o governo detém ampla maioria. Tramitam, ainda, o projeto de lei que fragiliza a Lei da Mata Atlântica, vários projetos propondo a redução de unidades de conservação já criadas, a proposta de decreto legislativo que visa permitir o plantio de canade-açúcar na Amazônia e no Pantanal e a discussão de mineração em terras indígenas, entre outros.

O contexto descrito neste documento aponta para a necessidade urgente de ampliar a articulação da sociedade civil, visando estabelecer um processo de mobilização e avaliação permanente da agenda socioambiental. O intuito é alertar a opinião pública para os retrocessos na área socioambiental, que inviabilizam a possibilidade de o País continuar avançando na direção do desenvolvimento com sustentabilidade e ameaçam seriamente a qualidade de vida das populações atuais e futuras. Este documento é assinado por: Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS); Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Desenvolvimento e Meio Ambiente (FBOMs); Instituto Socioambiental (ISA); SOS Mata Atlântica; Greenpeace do Brasil; Vitae Civilis; Imazon; Associação Alternativa Terrazul; Grupo de Trabalho Amazônico; Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam); e Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida.

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Expediente Edição e redação André Lima, Bazileu Margarido e Marco Gonçalves Revisão Carolina Stanisci e Ricardo Carvalho Projeto gráfico e editoração eletrônica homeworks_sp Impressão Printon

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